sexta-feira, 30 de junho de 2017

A tempestade política no radar do mercado | Rogério Furquim Werneck

- O Globo

Escalada da crise política já não deixa muito espaço para ilusões sobre o plano de jogo em que o país vinha apostando até maio

Semana passada, o Rio foi mais uma vez assolado por forte temporal. Partes da Zona Sul e da região da Grande Tijuca foram rapidamente inundadas. Para poder se preparar para transtornos desse tipo, o governo municipal investiu R$ 10 milhões, em 2010, no Centro de Operações Rio (COR), dotando-o de potente radar meteorológico e acesso, em tempo real, a informações provenientes de 33 estações de meteorologia e 800 câmaras espalhadas pela cidade.

No entanto, duas horas após o início do temporal, quando os alagamentos já assumiam proporções alarmantes, o boletim divulgado pelo COR ainda mencionava simples chegada de frente fria com possibilidade de chuvas moderadas a fortes. Em nenhum momento a população chegou a ser informada sobre riscos de inundações. Criticadas pela falha do sistema de alerta, as autoridades responsáveis saíram-se com uma explicação surreal. Tinham decidido não alertar a população para não criar pânico. (O GLOBO, 22/6)


Tudo isso traz à mente a forma surpreendente com que a tempestade política que vem ganhando força em Brasília tem sido monitorada nos radares do sistema financeiro. É bem verdade que não têm faltado racionalizações da tranquilidade com que o mercado vem reagindo à crise.

Algumas são perfeitamente razoáveis: liquidez da economia mundial, reservas internacionais confortáveis, contas externas sólidas, confiança na equipe econômica, inflação abaixo da meta, taxas de juros em queda e sinais de que a recessão pode ter ficado para trás. Outras nem tanto: crença inabalável no avanço da agenda de reformas em meio à crise, certeza de que a “economia se descolou da crise política” e convicção de que tamanha turbulência não pode durar muito tempo.

É inegável que, entremeada com análises objetivas da situação, há muita torcida e forte dose de autoengano nessas racionalizações. E a verdade é que a escalada da crise política já não deixa muito espaço para ilusões sobre o plano de jogo em que o país vinha apostando, até meados de maio.

E qual era esse plano de jogo? Constatadas as proporções do descalabro fiscal herdado da administração Dilma Rousseff, o governo Temer conseguiu convencer o país de que o colossal ajuste das contas públicas que se fazia necessário não teria de ser feito de imediato. Poderia ser viabilizado aos poucos, ao longo de vários anos, desde que não houvesse dúvida sobre a determinação de levá-lo adiante.

A escalação de uma equipe econômica de excelente nível, a aprovação do teto para a expansão do gasto público e a submissão ao Congresso de um projeto respeitável de reforma previdenciária ajudaram a dar credibilidade a essa suposta determinação. A ideia era tornar a persistência no esforço de ajuste fiscal ainda mais crível, com a aprovação da reforma previdenciária em 2017.

Mas isso não era tudo. Ainda faltava um passo fundamental: construir, na esteira do sucesso da política econômica em curso, uma coalizão política que conferisse boa chance de vitória, na eleição de 2018, a um candidato a presidente comprometido com a continuidade do ajuste fiscal.

É dessa perspectiva que se deve avaliar a extensão dos danos potenciais da tempestade política que se formou no Planalto. A imagem de Michel Temer, em pronunciamento destemperado à nação, ladeado por uma guarda pretoriana recrutada às pressas no baixo clero da Câmara, dispensa argumentos mais elaborados sobre a precariedade da sua situação.

O problema, como acaba de alertar o ministro do Planejamento, é que “a situação fiscal continua gravíssima” (“Valor”, 28/6). E, a esta altura, já não há ninguém que acredite, em sã consciência, que Temer terá condições de assegurar a aprovação da reforma previdenciária. O que se teme, agora, é que o prolongamento da turbulência política torne cada vez mais improvável que, em 2018, seja eleito um presidente comprometido com a agenda de ajuste fiscal.

A 15 meses das eleições, os mercados ainda não parecem imbuídos desse temor. Até quando continuarão assim?

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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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