sexta-feira, 30 de junho de 2017

Decisão histórica | Merval Pereira

- O Globo

Embora a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, tenha afirmado que o instrumento legal da delação premiada nunca esteve em julgamento, reforçando sua segurança jurídica, a decisão de ontem do plenário do Supremo foi “histórica”, como classificou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao final da sessão que definiu que os acordos gerados pelas delações premiadas só podem ser revistos caso seja constatada alguma ilegalidade, com base no §4º, artigo 966 do Código de Processo Civil.

Essa foi a forma encontrada pela maioria dos ministros para garantir que as delações premiadas não perdessem sua eficácia diante da vontade expressa de uma minoria, comandada pelo ministro Gilmar Mendes, de que o colegiado do Supremo pudesse rever os acordos feitos pela Procuradoria-Geral da República, avaliando o seu mérito, e não a sua eficácia pura e simplesmente.

Juntaram-se a Gilmar Mendes os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, rejeitando o que consideravam uma subserviência do Supremo à Procuradoria-Geral da República. Para eles, a última palavra deveria ser sempre do STF.

O ministro Luís Roberto Barroso comandou a tese vitoriosa, que definiu a prevalência dos acordos fechados pela Procuradoria-Geral, que são analisados em um primeiro momento pelo relator dos processos sob o prisma da voluntariedade, espontaneidade e legalidade, e, num segundo momento, pelo colegiado, na hora de dar a sentença, pela eficácia das denúncias.

Pelo texto aprovado, sugerido pelo ministro Alexandre de Moraes e endossado pelo relator Edson Fachin, somente quando forem encontradas ilegalidades fixadas no Código de Processo Civil, os acordos poderão ser anulados. De maneira geral, será preciso que a sentença tenha sido fruto de “prevaricação, concussão ou corrupção do juiz”; “resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”; “violar manifestamente norma jurídica”; “for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal” ou “venha a ser demonstrada na própria ação rescisória”.

Ou quando fatos supervenientes forem descobertos “posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.

Os ministros Gilmar e Marco Aurélio tentaram que o detalhamento dessa questão não fosse feito na sessão de ontem, alegando que estavam decidindo em tese, quando fatos concretos mereceriam análises específicas.

Um advogado levou ao conhecimento do pleno um fato inusitado. Em um julgamento do Tribunal Regional Federal de São Paulo, o Ministério Público local atribuiu, em nota de pé de página da denúncia, a qualificação de “organização criminosa” às empresas JBS, o que invalidaria a concessão de indulto criminal, de acordo com a legislação que trata das delações premiadas.

Gilmar usou esse exemplo para dizer que as homologações estavam sendo feitas sem a devida análise, no que foi contestado pelo ministro Luiz Fux e pela presidente do STF, Cármen Lúcia. O ministro Fux teve mais uma vez papel importante no julgamento, pois foi ele quem chamou a atenção para a necessidade de definir com clareza os termos em que os acordos poderiam ser alterados. E a ministra Cármen Lúcia respondeu com gentileza à insinuação de Gilmar de que ela homologara as 70 delações premiadas dos executivos da Odebrecht em tempo recorde, o que indicaria uma análise superficial.

A ministra salientou que ficou 40 dias com os processos, trabalhando até nos fins de semana e deixando de visitar o pai enfermo, que viria a falecer, para poder homologar as delações dentro dos parâmetros legais exigidos.

Embora derrotado, o ministro Gilmar Mendes acha que a partir de agora as homologações dificilmente serão feitas monocraticamente e pretende aproveitar a brecha que vislumbra na decisão para analisar os acordos para além de sua eficácia.

Será uma tarefa difícil, porém, pois os casos em que isso poderá ser feito são muito restritos no Código de Processo Civil. Além do mais, como disse Rodrigo Janot, se ficar provado, por exemplo, que a JBS não era uma empresa que cometeu ilegalidades, mas uma organização criminosa fundada para cometer crimes, é evidente que o acordo de delação tem que ser anulado. Ou outros fatos tipificados no Código de Processo Civil, questão tão óbvia que a ministra Rosa Weber estranhou estarem discutindo o que já estava escrito na lei. Mas não parece fácil transformar uma empresa em uma organização criminosa, mesmo que tenha montado esquemas sofisticados para cometer crimes, como as empreiteiras envolvidas nas fraudes da Petrobras ou a própria JBS. Foi histórica a decisão de definir que acordos gerados pelas delações só podem ser revistos se houver ilegalidade Foi uma forma para que as delações premiadas não perdessem sua eficácia Derrotado, Gilmar acha que, agora, homologações dificilmente serão feitas monocraticamente

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