Por Luísa Martins e Murillo Camarotto | Valor Econômico
BRASÍLIA - Depois de quatro sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a validade das delações da JBS e decidiu que a Corte, no momento da sentença, não pode revisar as cláusulas do acordo, exceto em duas situações: quando o delator descumprir o combinado com o Ministério Público Federal (MPF) ou se, posteriormente, for constatado que houve ilegalidade durante a negociação da colaboração - coação, por exemplo, o que contraria o pressuposto da voluntariedade, previsto em lei.
O plenário decidiu, ainda, que a relatoria do caso permanece com o ministro Edson Fachin (o que inclui o inquérito contra o presidente Michel Temer) e que ele poderia, como fez, ter homologado individualmente a colaboração premiada dos executivos do conglomerado.
A única decisão unânime foi em relação ao encaminhamento automático da delação da JBS ao relator da Operação Lava-Jato na Corte. Todos os ministros entenderam que os fatos narrados pelos empresários guardam relação com outros inquéritos e processos que já estão sob a relatoria de Fachin.
Já a questão da homologação monocrática não encontrou consenso entre os ministros. Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia, além do próprio Fachin, concordaram que essa é uma atribuição do relator do processo. Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello divergiram. Para eles, se fosse feita em colegiado, a avaliação sobre a legalidade, a voluntariedade e a regularidade do acordo seria mais profunda e completa.
No ponto mais polêmico do debate, os ministros decidiram, por 8 votos a 3, que um acordo de delação só pode ser anulado caso alguma das cláusulas acertadas pelo MPF seja descumprida pelo colaborador ou, ainda, se surgir alguma ilegalidade flagrante no decorrer do processo. Os ministros Gilmar, Marco Aurélio e Lewandowski saíram vencidos.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, ressaltou durante a sessão que o acordo feito com a JBS está preservado, inclusive no que diz respeito aos benefícios oferecidos aos sócios da empresa. Como o MPF decidiu não oferecer denúncia contra os empresários Joesley e Wesley Batista, sócios do frigorífico, não haverá "o momento da sentença" para que seja avaliada a eficácia dos fatos narrados por eles para o desbaratamento da organização criminosa. A decisão, no entanto, deve valer para as próximas colaborações premiadas que chegarem à Corte.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) "reafirma" a prerrogativa do MPF para celebrar acordos de delação premiada. "Dá mais segurança jurídica e o princípio da boa-fé é respeitado", afirmou Janot, ao sair da sessão. Havia uma expectativa da Procuradoria-Geral da República (PGR) em torno desse julgamento, já que o instituto da delação tem se revelado uma ferramenta importante para desmantelar organizações criminosas, especialmente as que se referem aos chamados crimes de colarinho branco.
O debate chegou ao STF a partir de um recurso apresentado pelo governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), também implicado pelas delações da JBS - ele teria recebido propina da empresa em troca da concessão de benefícios fiscais. O tucano queria que as colaborações de executivos do grupo fossem sorteadas livremente entre todos os ministros do Supremo.
No início da sessão, o advogado Gustavo Passarelli - que representa o governador - ocupou a tribuna para dizer que Joesley era líder de organização criminosa e que, por isso, o acordo de delação não poderia ser feito - a legislação veda que os líderes sejam os colaboradores e recebam eventuais benefícios por narrar o esquema às autoridades.
Janot afirmou, no entanto, que as investigações apontaram que a liderança da organização criminosa estaria do lado oposto: "São os agentes públicos. O dinheiro utilizado para a propina e para gerar todos esses ilícitos é dinheiro público. O privado (JBS), em princípio, não tem acesso ao comando de liberação de dinheiro público."
Questionado sobre a indicação da subprocuradora Raquel Dodge para sua sucessão, Janot preferiu não fazer comentários.
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