sexta-feira, 30 de junho de 2017

Raquel deve fazer correções na Lava-Jato

Por Maíra Magro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Indicada pelo presidente Michel Temer para suceder o atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a subprocuradora Raquel Dodge elogia a Operação Lava-Jato e diz que buscará a efetividade das investigações, mas sinaliza que fará algumas mudanças de rumo. Entre suas propostas estão a criação de um grupo de procuradores para avaliar se os delatores estão cumprindo as obrigações firmadas nos acordos de colaboração, caso contrário eles poderão ser revistos.

Raquel propõe mecanismos para garantir o sigilo das investigações, evitando vazamentos, e defende cooperação entre órgãos da administração pública nos acordos de leniência, para garantir segurança jurídica. Propõe ainda medidas para reduzir o "custo Brasil" - como um diagnóstico das ações civis públicas para paralisar obras por questões como fraudes em licitações. "A obra foi paralisada, mas resolveu-se o problema do asfalto esburacado?, questiona.

As ideias da procuradora foram conhecidas durante a campanha para integrar a lista-tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Ela conversou com o Valor durante esse período, antes de ser indicada, e tem evitado dar entrevistas desde então.

Tida como forte opositora de Janot na política interna do Ministério Público Federal (MPF), Raquel não deixou de ressaltar na entrevista a importância da Lava-Jato e prometeu "suporte de trabalho bem sólido" para que as investigações tenham efetividade. "O país está com o olhar voltado para essas investigações. É preciso que a equipe tenha tempo para analisar documentos e atingir um padrão de resolutividade".

Disse que convidará as atuais equipes de trabalho a permanecer, inclusive as de Curitiba e da Procuradoria-Geral da República (PGR), e se dispôs a ampliá-las quando necessário. Questionada se haveria excessos na operação, como alegam os críticos, ela disse não querer opinar sobre casos concretos.

Um dos pontos de preocupação de Raquel é o cumprimento, pelos delatores, das obrigações assumidas nos acordos de colaboração. Ela falou que pretende criar um grupo de trabalho na PGR para monitorar se os delatores devolveram o dinheiro no prazo, se apresentaram provas do que relataram em seus depoimentos e se cumpriram os demais compromissos. Se não o fizeram, de acordo com ela, os benefícios poderão ser revistos e o acordo, rescindido. Raquel estima que a equipe poderia ser formada por cerca de cinco a dez subprocuradores-gerais da República - que ocupam o último nível da carreira do MPF.

Outra mudança pode se dar no próprio mecanismo da delação premiada. Para Raquel, "o acordo é uma proposta de benefício" - em contraposição a uma promessa que só será desfeita se as cláusulas forem descumpridas, como se entende hoje. Ela explicou que, ao fechar uma delação, o MP firma as cláusulas dos benefícios que oferece, mas eles só serão definidos na sentença penal condenatória, com avaliação do juiz. "O Ministério Público apresenta a denúncia e a proposta de deferimento do prêmio. Na denúncia, o MP não faz dosimetria de pena", sustentou. Questionada se as delações na Lava-Jato divergem dessa perspectiva, ela novamente se negou a comentar casos concretos. "Pretendo definir termos de acordos de colaboração que cumpram a lei", disse.

Raquel defendeu ainda que os benefícios concedidos aos delatores têm que ser proporcionais à colaboração. Um dos critérios de avaliação seria "a proporcionalidade entre os ganhos para a população e o benefício que está sendo deferido".

Para evitar vazamentos que, em sua visão, prejudicam as investigações, a procuradora propôs a criação do que chamou de "protocolo da cadeia de custódia dos documentos sigilosos". Seria um mecanismo para identificar, em uma investigação, quem pôs a mão em que documento, em determinada hora. "O objetivo é auxiliar no desvendamento de quem vazou. A lei determina o sigilo e ele tem que se respeitado."

Outro motivo para manter o sigilo das investigações, de acordo com ela, é preservar a dignidade das pessoas envolvidas. "Muitas vezes a exposição equivocada, antecipada, pode induzir a erro, como no caso de uma testemunha ser vista como agente do crime", apontou. A procuradora mencionou como exemplo a Operação Caixa de Pandora, uma das principais investigações criminais que conduziu: "Houve um controle muito estrito do que poderia ou não ser divulgado". O caso levou à denúncia de 38 investigados e à prisão do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM). Raquel ressalvou, porém, que o sigilo não é um valor em si, e o juiz tem autonomia para deferir sua retirada em prol do interesse público.

No caso das delações premiadas, ela entende que o sigilo deve ser retirado no momento do recebimento da denúncia pelo Judiciário (quando se abre a ação penal e o acusado se torna réu). Raquel aponta que a Lei 12.850, que regulamenta o uso da delação, diz que "o acordo de colaboração deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia".

Trata-se de uma fase muito posterior ao momento em que as delações vêm sendo tornado públicas atualmente, na fase das investigações. O argumento dos procuradores da Lava-Jato é que a retirada do sigilo no momento da abertura do inquérito se justifica quando envolver fatos de interesse público - um argumento que tem como base valores mencionados na Constituição.

Questionada se a Polícia Federal pode ou não fazer acordos de delação, Raquel apontou que o titular da ação penal é o Ministério Público. "Um acordo que propõe benefícios penais tem que ser oferecido pelo MP. Como a polícia poderia propor, por exemplo, que não vai oferecer ação penal?", indagou. E acrescentou: "Não é que eu queira assegurar uma vantagem corporativa. Mas o Ministério Público não pode prometer que a polícia não vai investigar. Assim como a polícia não pode prometer que o Ministério Público não vai denunciar."

Nos acordos de leniência, Raquel defendeu uma coordenação entre o MP e órgãos da administração pública, como a Advocacia-Geral da União, o Ministério da Transparência e o Tribunal de Contas da União. "É preciso coordenar melhor a participação de diferentes órgãos que podem depois reclamar parte do ressarcimento, para que haja mais segurança jurídica. Países como os Estados Unidos fazem uma ampla mesa de negociação", exemplificou. Para ela, o importante é que se possa fazer uma avaliação concreta do dano envolvido.

A procuradora apontou ainda que o Brasil tem um "anseio de produtividade" e diz que gostaria de contribuir para esse rumo com "um padrão alto de resolutividade" das ações do Ministério Público. "O juiz Sérgio Moro é um juiz eficiente e a população tem gostado desse padrão que funciona", apontou.

Ela disse que também proporá um plano de trabalho com ênfase nas Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF - órgãos setoriais que coordenam e revisam o trabalho dos membros da instituição. "Se pego tudo e boto na Lava-Jato, alguns temas ficam esquecidos, e há temas cruciais". De acordo com ela, "há muitos outros tipos de corrupção que comprometem os direitos humanos e cujo combate precisa ser priorizado".

Na 3ª Câmara, voltada para a defesa do consumidor e da ordem econômica, ela propõe medidas para diminuir o custo do frete do transporte e o prazo de permanência do navio na alfândega, por exemplo. Isso seria feito por meio de termos de ajustamento de conduta ou com atuação judicial.

Ela também defende a criação de uma nova câmara destinada à área eleitoral, para definir parâmetros de longo prazo para os trabalhos do MP na área.

Raquel pretende criar ainda um grupo de subprocuradores-gerais para atuar no chamado "controle de constitucionalidade", envolvendo as ações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). "A pauta do STF seria reforçada e haveria um diálogo para saber quais normas precisam ser aprimoradas". Como a Emenda Constitucional 95 prevê um corte significativo no orçamento do MPF, ela diz que será preciso priorizar os trabalhos da instituição. "Há muita investigação aberta com indícios pequenos. É preciso priorizar".

Raquel não adiantou como será formada sua equipe, mas entre os cotados para integrá-la estão os procuradores regionais da República Alexandre Camanho, ex-presidente da ANPR, além de Raquel Branquinho, José Alfredo e Alexandre Espinosa, que atuaram no processo do mensalão.

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