sexta-feira, 30 de junho de 2017

O centro se move | Míriam Leitão

- O Globo

A decisão de reduzir o centro da meta foi o movimento certo a fazer, num país que já teve sustos demais com a inflação. O real está completando 23 anos amanhã. “Aquele foi um ponto de inflexão importante para a economia brasileira”, diz o economista Pedro Malan. Para lembrar outros problemas presentes no país neste momento, o mês de maio veio com o maior déficit para o período em 21 anos.

Malan lembrou, em entrevista que me concedeu ontem na Globonews, que a durabilidade do real hoje já supera os 21 anos de regime militar.

— E eu estou com esperança de que a maioria da população perceba que o controle da inflação é do seu interesse — disse Malan.

A história do Brasil com a inflação é assustadora e longa. As taxas ficaram em dois dígitos, ou mais, por 50 anos, chegando 2.500% em 1993, “ano em que o real foi concebido”. Em apenas três dos últimos 23 anos a inflação ficou em dois dígitos. Em 1995, na eleição de Lula em 2002, e no ano passado.

Do pico para cá, em um ano e meio, a taxa caiu sete pontos percentuais, lembrou o Banco Central ontem. Foi uma rápida correção de rumos, e ontem o Conselho Monetário Nacional decidiu fortalecer a indicação de que é para baixo que a inflação tem que ir. Após 14 anos de meta em 4,5%, ela será de 4,25% em 2019 e 4% em 2000. Parece um movimento pequeno e de até longo prazo, mas o que o Conselho Monetário Nacional fez ontem foi deixar para trás, com um sinal forte, a ideia de que estar no teto da meta era suficientemente bom. Esse erro cometido no governo Dilma levou a taxa a dois dígitos e ao episódio que o Brasil acaba de superar.

— A decisão mostra a importância de um senso de perspectiva e que o CMN define a meta de inflação e dá ao Banco Central autonomia operacional para tentar caminhar e atingir o centro da meta — explicou Malan.

O mundo desenvolvido trabalha com taxas mais baixas do que as nossas. As metas de países vizinhos, como Chile, Colômbia e México, são de 3% ou 2%. O Brasil, quando faz esse movimento, está indo em direção ao ponto em que o mundo está, com tristes exceções, como Venezuela e Argentina.

— A inflação exige atenção e cuidado permanente. E nós vivemos essa experiência em passado recente — disse Malan.

A economia brasileira continua com vários problemas. Um deles é o descontrole das contas públicas, que está elevando a dívida. O dado divulgado ontem mostrou a aflição deste ano. O déficit de maio é mais uma indicação de que há o risco de não se cumprir a meta de 2017. E a meta, mesmo cumprida, elevará a dívida porque é um déficit de R$ 139 bilhões.

Não há horizonte de estabilização da dívida pública, principalmente após o agravamento da crise política que tornou improvável a aprovação da reforma da Previdência, uma das várias reformas necessárias para se equilibrar receita e despesa no Brasil. E no debate que houve até agora, em torno da Previdência, os adversários da reforma negaram a existência do problema. Não é que tiveram um remédio alternativo, eles sequer admitem que existe déficit.

— Não chegamos ainda ao ponto que é comum em democracias mais avançadas, quando estamos tratando de um problema que é grave, que exige decisões. A primeira coisa que um grupo encarregado de discutir uma questão deveria fazer é pôr-se de acordo com os números básicos. Todos têm a liberdade de desenvolver suas próprias opiniões, mas não para criar seus números. Se em vez de déficit existem pessoas que dizem que há um superávit, aí é difícil convergir para uma solução de médio e longo prazo — afirmou Malan.

O déficit fiscal é que ameaça, a médio prazo, a manutenção da inflação sob controle. Ontem, o Banco Central e os ministérios econômicos decidiram renovar a aposta na estabilidade, 23 anos depois de o país romper com o passado hiperinflacionário. Isso significa não apenas um número, mas um compromisso de buscar todas as mudanças que garantam o cumprimento dessa meta cadente. Se as reformas não forem feitas neste governo, precisarão ser feitas no próximo. A inflação não seguirá a trajetória estabelecida ontem se o déficit e a dívida continuarem subindo. Aliás, as consequências podem ser muito piores do que a elevação da inflação.

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