quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Os estragos causados pela crise econômica no padrão de vida- Editorial: Valor Econômico

O Brasil saiu de um dos mais longos períodos de economia em baixa da sua história, atestado recentemente pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace). A recessão, que começou no segundo trimestre de 2014, terminou nos últimos três meses de 2016. Durou nada menos do que 11 trimestres. Em espaço de tempo, somente é comparável ao da retração amargada pelo país de 1989 a 1992, como resultado do congelamento de ativos determinado pelo ex-presidente Collor de Mello. Mas foi ainda mais severa. Desta vez, a queda acumulada pelo Produto Interno Bruto (PIB) foi de 8,6%, mais do que a de 7,7% registrada na virada e início da década de 1990. A queda agora sofrida pelo PIB é ainda maior do que a de 8,5% ocorrida durante a crise da dívida externa, no período de 1981 a 1983, no último governo militar.

Colegiado independente de economistas de notório saber, criado em 2008, o Codace ainda estima que a recuperação desta recessão vai levar mais tempo do que as anteriores. Em outros momentos, como na crise financeira de 2008 a 2009, o governo contava com um arsenal de estímulos, como o crédito e verbas oficiais, para animar a atividade econômica. Desta vez, os instrumentos possíveis de serem utilizados são muito limitados e o governo está constrangido pela crise fiscal. No primeiro semestre deste ano, a economia cresceu apenas 1,3%, e de modo bastante desigual, puxada pela agropecuária. O crédito está escasso, e os investimentos não decolam, diante da capacidade ociosa elevada das indústrias.

Parte da reação que vem sendo observada pode ser atribuída à expansão do consumo das famílias, sustentada pelo aumento da confiança e por uma certa melhoria do mercado de trabalho, apesar do estrago provocado na renda das pessoas. O dado mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, mostra que a taxa de desemprego caiu para 12,4% no terceiro trimestre na comparação com o pico de 13,7% do primeiro trimestre. O número de desempregados ainda é elevado, de 13 milhões de pessoas, inferior aos 14,2 milhões do primeiro trimestre, mas acima dos 12 milhões do mesmo período de 2016, quando a taxa de desocupação era de 11,8%.

Cálculos da consultoria LCA reproduzidos pelo Valor (5/6) estimam que o impacto foi ainda maior no PIB per capita, que caiu 11% nos 11 trimestres de retração. Na verdade, para o PIB per capita, foram três os anos de recessão, pois ele começou a cair em 2014, quando recuou 0,4% apesar de a economia ter crescido 0,5% naquele ano. De acordo com a LCA, somente em 2021 o PIB per capita vai realmente mostrar recuperação, em termos de renda e de bem-estar, o que limita o poder de fogo das famílias para animar a economia. Mesmo assim, voltará ao patamar de 2014, quando era inferior ao PIB per capita chileno e equivalente a um terço da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O Banco Mundial estima que a crise fez 2,5 milhões a 3,6 milhões de brasileiros engrossarem o contingente de pobres, calculado em 20 milhões de pessoas. Isso significa que voltaram para trás cerca de 10% dos 28,6 milhões de brasileiros que haviam deixado a pobreza entre 2004 e 2014, por conta do crescimento econômico impulsionado pelos preços das commodities e das políticas sociais. O perfil dos "novos pobres" é significativo: em média têm menos de 40 anos, moram em zonas urbanas, concluíram pelo menos o ensino médio e estavam empregados em 2015, sobretudo no setor de serviços.

O mesmo movimento de rebaixamento ocorreu em outras classes sociais, de acordo com estudo da consultoria Tendências, baseado nos dados da Pnad (Valor, 3/11). Com a crise, o empobrecimento foi generalizado. O percentual de domicílios da classe B encolheu de 15,4% para 13%, entre 2014 e 2016; e da classe A, passou de 3,8% para 3,1%. Enquanto isso, os domicílios das classes D/E aumentaram de 54,3% para 56,1% do total; e os da classe C, passaram de 26,5% para 27,7%. A Tendências estima que as famílias vão levar dez anos para se recuperarem. Somente em 2026, voltarão ao padrão de vida que possuíam antes da crise. A queda da inflação amenizou o problema. Mas o cumprimento da previsão depende de que os preços continuem relativamente bem comportados e que a economia siga se recuperando, com reflexos positivos no mercado de trabalho e na massa salarial.

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