- Valor Econômico
Hora de cair na realidade para não cair do cavalo
Ministros do Palácio (são poucos, é fácil identificar) pressionaram o presidente Michel Temer a tomar uma providência punitiva; os coronéis da polícia do Rio pressionaram o governador Pezão a tomar uma providência reparadora; o carioca presidente da Câmara, Rodrigo Maia, voltou de uma viagem ao exterior mas mal teve tempo de enfrentar novos problemas, o caso em tela já era velho; o ministro da Justiça, Torquato Jardim, quedou-se, perplexo, com as reações ao seu comentário sobre a relação entre o crime organizado e a política no Estado, segredo de polichinelo. Passados sete dias, por ausência de consistência e autenticidade, o temporal amainou queimando pouca palha benta.
Começando pelo fim: o governador Pezão e o ministro Torquato trocaram mensagens anteontem a pretexto de agradecimentos do governador por uma ação da Polícia Rodoviária Federal, subordinada às ordens do ministro, no Rio. Conversa amena, estavam sem se falar desde a entrevista em que Jardim foi convidado a analisar a situação do Estado, depois de falar sobre temas variados relacionados a seu ministério.
Torquato não estava falando sobre algo que não sabe e não é da sua conta. Sabe e o assunto está com três ministros do governo federal, ele é um deles, talvez o principal. Os outros dois são Raul Jungman (Defesa) e Sergio Etchegoyen (Segurança Institucional).
Inúmeras vezes Torquato foi ao Rio com Jungman, Jungman com Etchegoyen sem Torquato, Torquato com Etchegoyen, os três juntos ou sozinhos. Foram viagens sem fim para debelar o fogo ou discutir medidas preventivas e ajuda federal.
Fizeram reuniões, também numerosas vezes, com Roberto Sá, secretário de Segurança. Os ministros, da Justiça inclusive, tiveram encontros com o Comandante Geral da Polícia Militar, o chefe da Polícia Civil, o governador. Discussões nas quais todos os assuntos foram tratados, inclusive os problemas da confusão de sentimentos entre os órgãos de segurança, a política, e o crime. O diagnóstico da situação, mesmo depois de várias ações em conjunto, registra a permanência de dificuldades operacionais e de atuação conjunta entre as forças federais e estaduais.
O morador do Rio deve ter percebido que, por muito tempo, os ministros da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional foram mais presentes no campo de batalha do que o da Justiça. Torquato Jardim havia deixado claro a todos, no governo federal, que seu ministério nada poderia fazer sem antes unificar o trabalho de inteligência da Polícia Federal, da Policia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, todos pendurados no seu organograma.
Cada um tinha uma forma de agir, um serviço de inteligência, um objetivo. Necessário, primeiro, uni-los para depois pensar em parceria. Em um segundo momento, integrar as forças da Justiça às Forças Armadas. E por último, para conseguir eficácia, criar uma relação de cumplicidade das entidades federais com as estaduais, pois são essas que conhecem o terreno, firmando parcerias seguras.
Esse último passo não se consegue dar. Uma construção difícil, porque não há histórico de cooperação e há muita desconfiança de parte a parte.
Noticiário, entrevistas, memória, manifestações dos secretários de segurança, de sub-secretários, da sociedade apontavam na mesma direção: o maior empecilho às soluções era mesmo o entrelaçamento da política com o crime.
Dias antes da entrevista coletiva do ministro da Justiça que detonou o problema político no governo, o ministro da Defesa havia feito um comentário muito parecido com relação às dificuldades de solução para a segurança no Rio. O presidente da Câmara chegou a pedir a troca do Secretário de Segurança. E logo após a manifestação de Torquato, mudaram o Corregedor da Polícia Militar, numa espécie de aquiescência ao diagnóstico feito. A reação agressiva às declarações do ministro pareceram uma espécie de desvio da figura do inimigo. Uma vez que não se consegue combater um, inventa-se outro.
O presidente Michel Temer ficou em situação constrangedora: como demitir um ministro por falar a verdade? Ou mesmo por apenas falar, se verdade não fosse? O governador Pezão encontrou uma saída pela via da Justiça, onde os fatos têm uma passagem amortecedora, à espera de que, ao final, prevaleça o bom senso.
A ação do governo do Rio é uma interpelação ao ministro junto ao Supremo Tribunal Federal. Torquato pode optar por responder ele próprio.
De qualquer forma, suas provas estão nas informações públicas e publicadas ao longo dos últimos anos e nas investigações em curso, quando estiverem concluídas e tornadas também públicas.
Nas reuniões de equipe do governo Torquato Jardim continua preocupado com os resultados fracos no Rio. A Força Nacional de Segurança Pública já gastou, nessa operação, R$ 96 milhões, a Secretaria Nacional de Segurança Pública doou R$ 30 milhões para a compra de veículos, formando uma frota de 120 carros e, até agora, nada. Integrado ao sistema federal de segurança está apenas o Ministério Público do Rio, com quem a parceria se estabeleceu.
A AGU poderá levar a interpelação ao ministro ou responder ela mesma ao Supremo. O procedimento oficial é o STF enviar a interpelação à Advocacia Geral e esta ouvir o ministro. Uma saída a decidir quando for de conhecimento do governo o teor da ação, se penal, se civil. Enquanto isso, acumulam-se evidências que poderão dar conteúdo de argumentação. Provas virão com o tempo, com as investigações.
Depois da entrevista coletiva do ministro, houve troca de Corregedor da Polícia Militar e, mais dois dias depois, demitidos seis oficiais. Um tenente coronel baleado à luz do dia, fardado, em um carro dirigido por um policial à paisana, com 21 tiros de fuzil, pode ser arrastão comum? O batalhão de São Gonçalo é uma peça de resistência nos dossiês: Execução da juíza Patrícia Acioli; de uma só vez, em julho do ano passado, foram presos 93 policiais; depois outros 10, todos por corrupção. Preservação de acesso em festas de bandidos e segue por ai. Até que as investigações não produzam provas e penas, há razões a sustentar as preocupações.
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