Supremo acumulou poderes e tarefas em excesso, o que acentua problemas como a falta de prazos
Exercendo poderes com uma intensidade que jamais teve durante a história republicana, o Supremo Tribunal Federal (STF) hoje desperta sentimentos divididos na sociedade brasileira.
Parece ser, de um lado, o foco remanescente de esperanças políticas que Legislativo e Executivo não conseguem suscitar. De outro, sua visibilidade faz com que resuma as queixas de lentidão e opacidade dirigidas a todo o Judiciário.
A isso se soma uma situação de volatilidade decisória e de conflito doutrinário —além de constrangedoras cenas de incompatibilidade pessoal— especialmente notável nos últimos anos, dado o estrelismo de alguns de seus membros.
Compreensível, portanto, que se dissemine o diagnóstico de estar em curso uma crise no STF.
O plenário se encontra claramente dividido em questões fundamentais a respeito de seu papel de guardião constitucional, havendo uma frágil maioria em favor de maior ativismo propositivo —na ausência de iniciativas do Congresso— debatendo-se com os partidários de maior fidelidade ao estrito texto da Carta de 1988.
Daí decorre, sem dúvida, uma sensação incômoda de variância decisória e de dissenso permanente. Ou, vale dizer, de insegurança jurídica. Nota-se que o Supremo acumulou poderes e responsabilidades sem que tenha definido, na mesma proporção, regras para a conduta de seus membros e a prestação de contas à sociedade.
Mostra-se incipiente, todavia, a discussão em torno de possíveis reformas a implantar na instituição. Circula no Congresso um bom número de propostas inócuas ou que abordam aspectos secundários dos problemas a corrigir.
O atual sistema de nomeação dos ministros, por exemplo, é objeto de imaginosos exercícios, como cotas (raciais, regionais, profissionais e de gênero) e indicações por meio de listas corporativas. Pensa-se também em fixar mandatos.
O mais grave problema a pesar sobre o STF é de outra natureza —e, em parte, se confunde com o do sistema judicial brasileiro em seu todo. Falta agilidade em suas decisões; nas últimas décadas, cresceu exponencialmente a quantidade de tarefas a seu encargo.
Se em 1990 realizaram-se 16,4 mil julgamentos na corte; em 2017 deram-se 126,5 mil. No mesmo período, o número de processos recebidos saltou de 18,6 mil para 103,7 mil.
Até 2001, mal se ouvia falar em ações penais; passavam-se anos sem que nenhum caso desse tipo chegasse ao tribunal. O número atingiu o recorde de 164 em 2013, recuando para 25 em 2017.
Nada que possa competir, porém, com os chamados recursos extraordinários —e seus agravos— que somaram cerca de 82 mil no ano passado, ou com os pedidos de habeas corpus, que passaram de 11,3 mil (contra meros 675 em 2000).
Cresce de forma preocupante, ademais, o número das decisões monocráticas tomadas na Corte, o que cerca de imprevisibilidade verdadeiramente lotérica o êxito ou o insucesso de cada pleito.
Afigura-se essencial impor mecanismos que reduzam a frequência de situações desse tipo.
Também a extrema lentidão de muitos julgamentos deve ser superada com a observância mais rígida de suas regras e prazos.
Por meio dos pedidos de vista, ministros são capazes de engavetar por anos processos já prontos para deliberação; dentro da própria corte ou no Conselho Nacional de Justiça, não há quem se disponha a coibir os que se comprazem nessa prática.
Outro foco de falta de transparência e manipulação é a pauta dos julgamentos, sob alvitre da presidência do tribunal. Temas entram e saem da pauta, sem ordem nem explicação; em meio ao atraso geral, tudo é urgente e nada o é.
O Supremo concentra três responsabilidades distintas: a de uma corte constitucional, a de última instância em recursos de diversa natureza e a de tribunal criminal nos casos de réu com prerrogativa de foro —que ainda são muitos, em que pese a alteração recente no que tange a delitos de parlamentares.
Nesta medida, buscou-se remeter processos para outras instâncias, o que é correto sob diversos pontos de vista, mas ilusório se se pretende desafogar o sistema judiciário em sua inteireza.
O fortalecimento do STF como tribunal constitucional é sem dúvida desejável. Exige, contudo, reformulação cuidadosa e paulatina das leis processuais do país em seu conjunto, simplificando os tipos de recursos e diminuindo a quantidade das etapas por que passam.
Não há soluções milagrosas para um problema que está longe de ser exclusivo do Supremo; se existe crise, também o Legislativo e Judiciário no seu todo estão em foco.
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