Ex-ministro alerta para efeitos da alta de juros nos EUA em nações emergentes
Por Eliane Oliveira | O Globo
BRASÍLIA - O embaixador aposentado Rubens Ricupero acredita que o empréstimo que a Argentina tomará do Fundo Monetário Internacional (FMI) não será suficiente para o país se recuperar dos seus atuais problemas. Para Ricupero, Argentina, Brasil e outras nações emergentes não vão escapar dos efeitos do que ele chama de “fim de uma era”: os juros americanos, baixos desde 2008, vão continuar subindo. A dúvida é apenas em que velocidade essa alta acontecerá. Como consequência, os investidores levarão suas aplicações para os Estados Unidos. Ricupero, ex-ministro da Fazenda, afirma que, embora a economia brasileira seja mais sólida do que a da Argentina em vários aspectos, o Brasil está em desvantagem em relação aos vizinhos no campo político. Ele destaca que a indefinição na sucessão presidencial deixa os investidores internacionais pouco confiantes.
• A Argentina da crise de 2001 é diferente da dos dias atuais?
Completamente. A Argentina está em uma situação muito melhor. Naquela época, o país passava pelo esgotamento da política econômica levada adiante por Cavallo (Domingo Cavallo, então ministro da Economia) e Menem (ex-presidente Carlos Menem). Hoje, apesar das dificuldades, eles têm um governo eleito que também ganhou as eleições legislativas, inclusive em muitas províncias e regiões que eram feudos dos peronistas. A situação política deles é mais sólida, embora a situação econômica seja frágil, porque eles herdaram um déficit fiscal grande e uma inflação elevada.
• Como o senhor compara as economias brasileira e argentina?
Assim como acontece no Brasil, o déficit do Orçamento argentino também tem como origem principal a Previdência. Macri fez algumas reformas, mas em nenhuma delas conseguiu, realmente, atacar o déficit previdenciário. Eles têm dois problemas complicados que o Brasil não tem. Em primeiro lugar, a Argentina tem uma inflação muito alta, que no ano passado foi de 25%. O governo argentino fala que a taxa vai chegar a 15%, mas ninguém acredita nisso. No Brasil, a inflação caiu e continua moderada. O segundo problema é que o setor externo deles é muito mais vulnerável que o nosso. As reservas cambiais argentinas são bem menores do que as nossas, que somam quase US$ 400 bilhões, e nosso déficit em conta corrente (com o resto do mundo) é muito pequeno. Além de tudo, a Argentina teve a infelicidade de uma seca que atingiu o potencial de exportação de soja e milho. Quando trabalhei na Argentina, o que se dizia era que não havia nenhum grande problema que uma boa colheita não resolvesse. E isso não mudou muito.
• Essa ida ao FMI será suficiente para a Argentina se recuperar?
Pode ser que esse acordo com o Fundo dê à Argentina certa blindagem em relação a essa situação instável que está se criando nos mercados mundiais. Mas penso que o que está acontecendo com a Argentina é a primeira manifestação da tempestade que pode vir por aí, com o aumento da taxa de juros. Na economia mundial, desde que houve a crise de 2008, temos vivido uma situação anômala. Nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos e os países da União Europeia, as taxas de juros têm sido praticamente zero. Nunca houve isso no passado. As pessoas não investiam nos Estados Unidos e na Europa, porque não tinham retorno. Por isso vinha tanto dinheiro para o Brasil. Mas, agora, isso está acabando. Estamos vivendo o fim de uma era. Não tem mais retorno, porque a inflação começa a aumentar nos EUA. Tudo que o Donald Trump está fazendo, não só em relação ao Irã, mas também na guerra comercial com a China, terá uma incidência negativa nessa turbulência. Não há nenhuma incerteza a respeito de um ponto fundamental: as taxas de juros internacionais vão subir. A única dúvida que existe é em relação ao ritmo com que vão subir. Dependendo desse ritmo, o impacto será maior ou menor para a Argentina e para nós.
• As nações emergentes estão à mercê da política externa de Trump?
Sim. Existe um impacto muito grande no setor de petróleo, devido à política da Arábia Saudita de segurar a produção. Isso é sentido na inflação americana, que está chegando ao que o governo americano considera razoável, uma taxa de 2%. Se a inflação passar de 2%, o Federal Reserve poderá chegar à conclusão de que tem que aumentar mais depressa a taxa de juros. E vai sair dinheiro tanto da Argentina como daqui. Para a Argentina, vai ser ainda mais complicado, porque toda a estratégia do país, em vez de fazer o ajuste fiscal, foi buscar dinheiro fora. Mas o Brasil também sofrerá, porque os capitais vão procurar as letras do Tesouro americano, que começam a ter uma remuneração melhor.
• O fato de o Brasil estar em ano de eleição pode atrapalhar?
Esse é um aspecto que a Argentina não tem: a instabilidade política. No Brasil, existe incerteza em relação à eleição. Os argentinos só enfrentarão isso no ano que vem. Na política, eles não estão tão expostos quanto nós.
• Quais as perspectivas para a Argentina?
Difícil dizer, pois as coisas são surpreendentes. Até três meses atrás, a Argentina parecia muito melhor do que o Brasil, porque, aparentemente, tinha resolvido a equação política. Tinha encontrado um presidente que até hoje o Brasil não encontrou: um presidente de centro, que conseguiu formar um partido, que se consolidou e ganhou as eleições para o Congresso. E o Brasil, politicamente, estava muito pior. Quer ver um exemplo disso? Os americanos apoiaram a candidatura da Argentina à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e são contra a do Brasil. E eles fizeram isso porque acham que a Argentina tem um governo sancionado pelas eleições e, portanto, um governo mais sólido. No caso do Brasil, os EUA dizem que o país tem uma situação política de transição e ninguém sabe o que vai acontecer aqui, se quem vai se eleger será a favor de uma política mais liberal ou não.
• Como os investidores estão vendo o Brasil?
Estão preocupados. O investidor reage a dois fatores. O primeiro são essas mudanças no cenário global, e o segundo é a incerteza dos lugares onde eles investem. No momento atual, esses dois fatores convergem, porque, no cenário global, as taxas de juros vão começar a subir e haverá cada vez menos estímulos para aplicarem em lugares de risco maior. O Brasil não oferece segurança. É um país em que ninguém sabe nem qual é o quadro dos candidatos. Enquanto não estiver definida a eleição brasileira, é muito difícil que haja algum tipo de confiança.
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