- Revista Istoé
Não sou ingênuo. Sei que nem todos os habitantes do Congresso e do STF morrem de amores pelos avanços em curso. Mas, vistos em conjunto, creio que tais avanços são irreversíveis
Os principais jornais e revistas do Primeiro Mundo andam meio obcecados com o tema do “fim da democracia”. Entra dia, sai dia, algum deles sentencia que o princípio da representação política parece esgotado. Mas, claro, esquiva-se de explicar qual será a alternativa.
Dediquei algumas páginas a esse tema no capítulo 2 de meu livro “Liberais e antiliberais” (Companhia das Letras, 2016). Mostrei que essa linha de argumentação aparece já bem configurada nas primeiras décadas do século 20, e reaparece de forma cíclica, praticamente nos mesmos termos.
No momento atual, não se requer muito esforço para perceber que, de fato, existe um mal estar mundial. A tecla da morte da democracia é martelada por toda parte, e os adeptos dessa tese geralmente nem se dão ao trabalho de ressaltar que o mal estar é geral, mas suas causas não são idênticas de um país a outro. Como também não são idênticos os setores ideológicos e partidos que propagam tal ideia.
Na edição anterior de Istoé, foi a vez do sociólogo Manuel Castells, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley. Castells é um analista fino, que maneja muito bem os dados da realidade, e por isso merece ser lido com atenção. Esquematicamente, o que ele diz é que as democracias estão se autodestruindo por causa da corrupção. Não sei se o que o levou a explorar esse tema foi principalmente a atual situação brasileira, mas pergunto: a corrupção está acabando com a democracia brasileira? Pode ser que sim, pode ser que não.
A afirmação contrária me soa igualmente plausível. Podemos perfeitamente sustentar que, nesse aspecto, a democracia nunca mostrou tamanho vigor em nosso País. Um de nossos maiores empresários passou dois anos na cadeia, um ex-presidente, já condenado em segunda instância, está recluso há mais de cem dias, e os demais que se encontram na mesma condição representam quase todo o espectro partidário.
Pela primeira vez em nossa história, podemos dizer que o regime democrático já não se resume à realização de eleições periódicas. Está chegando àquele estágio em que transparência e accountability (a devida responsabilização penal dos infratores) entram efetivamente na equação. Não sou ingênuo. Sei que nem todos os habitantes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal morrem de amores pelos avanços em curso. Mas, vistos em conjunto, creio que tais avanços são irreversíveis.
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