terça-feira, 24 de julho de 2018

Contas públicas seguem ainda o roteiro de déficit: Editorial | Valor Econômico

Não há o que se comemorar em um quinto ano seguido de déficit nas contas públicas, mas a equipe econômica pareceu otimista ao apresentar o terceiro relatório bimestral de receitas e despesas do governo, na semana passada. Demonstrou também estar aliviada ao constatar que sobrou dinheiro após a greve dos transportes rodoviários de carga, que não só aumentou as despesas com as concessões feitas aos caminhoneiros, mas também solapou as receitas ao causar a redução generalizada das atividades econômicas. Feito o balanço das contas públicas do primeiro semestre, tudo indica que o governo Michel Temer vai conseguir fechar o ano dentro das metas fiscais prometidas, ficando para o próximo governo grandes desafios.

O ministro do Planejamento, Esteves Colnago, garantiu que "estamos com a situação fiscal endereçada"; e a secretária de Política Econômica, Ana Paula Vescovi, afirmou que o "cenário fiscal está bastante controlado". Os dados divulgados no balanço do terceiro bimestre mostram que o governo deve cumprir com "tranquilidade" a meta de déficit fiscal consolidado de R$ 161,3 bilhões. Os cálculos apuraram uma folga de R$ 14 bilhões, graças principalmente aos Estados e municípios que devem ter superávit de R$ 10 bilhões, acima da meta de R$ 1,2 bilhão. Os Estados e municípios tiveram receitas superiores às esperadas em royalties e transferências por conta do aumento do preço do petróleo e do dólar. Já as estatais federais devem ter resultado praticamente neutro com R$ 164 milhões de superávit, melhor do que a meta original que previa déficit de R$ 3,5 bilhões.

No caso do governo central, que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social, o rombo previsto é de R$ 159 bilhões, e o governo estima uma sobra de R$ 1,845 bilhão. No relatório anterior, a folga fiscal era de R$ 6,2 bilhões, mas ela foi consumida pelas concessões feitas pela Medida Provisória (MP) do Diesel. As vantagens oferecidas aos caminhoneiros custaram R$ 9,58 bilhões. Apenas uma pequena parte da folga de R$ 1,845 bilhão, no montante de R$ 666,6 milhões, poderá ser usada para atender as demandas de recursos, por causa do limite do teto dos gastos públicos. Até o fim do mês, o governo deve decidir onde alocar esses recursos. As principais demandas vêm de ministérios e de estatais que precisam ser capitalizadas.

A equipe econômica garantiu novamente que vai cumprir a regra de ouro. A necessidade de recursos para isso está em R$ 98,4 bilhões e a aposta é que receitas extras vão cobrir o valor e ainda sobrarão R$ 5 bilhões. Há uma boa dose de otimismo nessas projeções. As medidas incluem devolução de R$ 70 bilhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a receita de R$ 13,9 bilhões proporcionada por concessões e R$ 19,5 bilhões provenientes de outras rubricas.

Há otimismo também em relação ao desempenho da economia. É verdade que as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) foram reduzidas, passando de 2,5% para 1,6% para este ano e de 3,3% para 2,5% para 2019. Mas a equipe econômica avalia que a recuperação do nível de atividades após a greve dos caminhoneiros está ocorrendo em um ritmo melhor do que o esperado. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Fábio Kanczuk, fala em recuperação em V, com base em dados de demanda por papel, papelão, aumento do consumo de energia e maior produção de automóveis após a greve (Valor 23/7).

A greve reduziu em 0,2 ponto as projeções para o PIB neste ano. O restante é resultado do aperto financeiro causado pela alta dos juros de longo prazo, avaliou o governo, em função do ajuste na política monetária americana, que elevou o dólar e apertou a liquidez ao atrair recursos do mundo todo para o mercado americano, com repercussões também no próximo ano. As incertezas políticas e fiscais são outros fatores negativos.

Fica cada vez mais provável que o governo de Temer conseguirá tocar o barco neste segundo semestre, se não houver muita marola. Já o futuro presidente deve enfrentar um cenário menos favorável. Logo de cara terá que pagar a quarta parcela do reajuste dos funcionários públicos, que vai lhe custar R$ 11 bilhões, caso o presidente Temer não consiga embutir no próximo Orçamento dispositivo para adiar esse pagamento. O governo não tem encontrado boa vontade dos parlamentares em relação a esse tipo de medida. Pelo contrário. Nas últimas semanas, o Congresso vem aprovando diversos gastos que terão impacto fiscal nefasto no próximo ano.

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