quinta-feira, 2 de abril de 2020

Mario Mesquita* - Depois da crise

- Valor Econômico

Rapidez é importante, tanto no combate à doença, quanto na reação aos seus efeitos econômicos

A pandemia de coronavírus irá trazer o fim da expansão observada na economia mundial desde 2010. O PIB global deve, segundo as projeções dos economistas do Itaú, mostrar contração de 0,4% em 2020, ante uma expectativa de crescimento superior a 3% ao final de 2019. A primeira grande economia envolvida com a crise foi a chinesa, mas a epidemia logo migrou para o Oriente Médio, Europa e finalmente o Hemisfério Ocidental.

Diante do estado do conhecimento sobre a dinâmica dessa epidemia, as autoridades de saúde têm recomendado o distanciamento social como elemento central da estratégia de contenção. A experiência da China sugere que tal estratégia, se corretamente implementada, tende a ser bem-sucedida. Obviamente, o distanciamento social, necessário para minimizar o impacto da pandemia sobre a saúde pública, implica cercear de forma relevante a capacidade de circulação de trabalhadores e consumidores.

Parte importante do trabalho no setor de serviços pode ser feita de forma remota, reduzindo o impacto potencial do distanciamento social sobre a atividade econômica. Ainda assim, o mesmo tende a ser severo. Estimamos que as medidas de distanciamento social adotadas na China acarretaram queda de 40% do PIB em um mês, fevereiro, o que se traduzirá em queda de quase 17% do PIB no primeiro trimestre (ante o imediatamente anterior, com ajuste sazonal). No entanto, na ausência de uma desestruturação das cadeias produtivas e de um aumento maciço do desemprego, a atividade econômica deve ter recuperação forte no terceiro trimestre - esperamos crescimento próximo a 20%.

Na realidade, a normalização da atividade econômica na China já está em curso. Construímos um indicador de atividade diário para a economia chinesa, que inclui informações sobre vendas de imóveis, consumo de carvão, trânsito, atividade portuária e poluição do ar. Este indicador mensal teve queda de 60% em fevereiro, como mencionado, mas aponta para alta de 75% em março (com expansões notáveis nos itens que haviam contraído mais intensamente, como os do setor imobiliário e de trânsito).

Devemos ver oscilações de indicadores de atividade de amplitude similar em todas as economias que adotarem de forma significativa o distanciamento social. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, o piso da atividade econômica deve ocorrer no segundo trimestre, com queda do PIB que pode ficar próxima a 10% (não anualizado). Consideramos que, após a contenção da pandemia, devemos observar, no terceiro trimestre, uma alta forte do PIB, amparada também por estímulos fiscais e monetários - a rigor, o pacote de estímulos anunciado pode chegar ao equivalente a 10% do PIB, praticamente compensando a parada brusca da atividade.

As perspectivas de uma retomada rápida da atividade, após a vitória contra o coronavírus, incorporam riscos. O primeiro é que em vez de um período intenso, porém relativamente breve, de forte distanciamento social, seguido por normalização, passemos por ondas de aperto e distensão das restrições de mobilidade, o que retardaria a normalização. O segundo, vem da interação do impacto das medidas de contenção nos vários países - começam a se acumular evidências de que as exportações chinesas estariam sendo afetadas pelo "lockdown” em economias ocidentais. O terceiro, talvez mais grave, seria a desestruturação da cadeia produtiva, com falências de empresas e destruição persistente de empregos. Na China, as políticas compensatórias parecem ter mitigado esse risco. Os EUA e Europa parecem ter capacidade fiscal para emular o exemplo chinês.

No Brasil, ainda que as medidas de distanciamento social estejam sendo adotadas de forma heterogênea e não coordenada, sob a liderança das entidades subnacionais, o impacto sobre a atividade deve ser intenso - estimamos queda de 30% da atividade em março, e redução de quase 10% do PIB do segundo trimestre ante o primeiro. O crescimento, no ano, vai depender da intensidade e rapidez da retomada.

Se tivermos normalização integral da atividade no terceiro trimestre, isto é, a partir de julho, então o PIB deve contrair algo entre 0,5% e 1,0% (especificamente, projetamos -0,7% para o ano).

Caso a normalização seja parcial, então o PIB do ano terá contração mais forte: com 50% de normalização teremos uma contração anual de 3,5%, com 75% de normalização, de 2,1%. Note-se que, dada a base deprimida, mesmo em cenário de normalização tardia, o crescimento deve acelerar muito em 2021: provavelmente para próximo de 5%.

Os riscos, no caso brasileiro, são semelhantes àqueles citados acima. Um óbvio fator de complicação é a fragilidade fiscal, que tende a cercear a resposta. Mas não a inviabiliza, apenas torna necessário que a ação estatal seja mais focada (além de tempestiva).

A resposta ideal passa por um forte, mas temporário, aumento do gasto público, direcionado às camadas mais vulneráveis da sociedade, auxiliado pelo financiamento da manutenção do emprego nas pequenas e médias empresas. O aumento de gastos deve ser temporário para evitar uma deterioração excessiva da trajetória da dívida pública (que, de qualquer forma, irá subir esse ano). Com isso, poderemos fazer a travessia do período de distanciamento social com custos econômicos e sociais limitados. Rapidez é importante, tanto no combate à doença, quanto na reação aos seus efeitos econômicos.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

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