quinta-feira, 2 de abril de 2020

Luiz Carlos Azedo - O ponto fraco

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Com a falta de testes, o número de óbitos e casos de coronavírus confirmados está subnotificado. Pode ser muito maior o contingente de infectados

Enquanto a maioria esmagadora da sociedade vê a epidemia de coronavírus como uma terrível ameaça, a aposta do presidente Jair Bolsonaro foi de que era uma oportunidade de encurralar os adversários políticos, principalmente os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB); do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC); e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que enfrentam mais dificuldades na crise. Fez um movimento de altíssimo risco: responsabilizá-los pela paralisia da economia, que entraria em recessão inevitavelmente, até porque a retração é global. Para isso, porém, Bolsonaro se lançou contra a política de distanciamento social e conclamou comerciantes, ambulantes, diaristas e outros trabalhadores informais a saírem da quarentena, entrando em choque aberto com a política de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Bolsonaro cometeu um crasso erro: se aventurar num terreno que não conhece, a saúde pública. Não percebeu que a gravidade da situação estava acima de suas disputas políticas e fez uma aposta no ponto futuro, a retomada da economia, que não será nada fácil, outro assunto que não domina. Se isolou dentro do próprio governo, porque os generais que hoje formam seu estado-maior administrativo não concordaram com essa estratégia de alto risco, bem como os ministros da Justiça, Sérgio Moro, e da Economia, Paulo Guedes. Enquanto o primeiro barrou qualquer possibilidade institucional de confrontação com os governos estaduais, o segundo deu um salto triplo carpado na política econômica: abandonou as reformas ultraliberais e abriu os cofres da União para atender aos trabalhadores que ficaram sem nenhuma fonte de renda por causa do confinamento.

O núcleo político que assessora Bolsonaro, liderado pelos filhos e pela equipe de comunicação do Planalto, tentou uma reação, mas fracassou. O apoio a Bolsonaro nas redes sociais está sendo volatilizado e o presidente da República passou a ser cobrado pela demora na liberação dos recursos, que exigem uma agilidade da administração federal, que, até agora, não foi revelada. Tanto os governadores como o Congresso passaram a cobrar do governo que os recursos fossem repassados imediatamente para a população, enquanto a força-tarefa de ministros formada para gerenciar a crise, coordenada pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, passou a ser uma espécie de fiadora da política de Mandetta no governo. Para se fragilizar ainda mais, Bolsonaro demorou a sancionar a lei que concedeu uma ajuda de R$ 600 aos sem nenhuma atividade econômica, o chamado “corona voucher”.

Enquanto Bolsonaro saía às ruas no Sudoeste, em Ceilândia, em Taguatinga, em Brasília, para estimular que comerciantes e ambulantes mantivessem suas lojas funcionando, a maioria da população preferiu seguir a orientação do Ministério da Saúde, dos governadores e dos prefeitos e se manteve dentro de casa, se resguardando da epidemia. A adesão da sociedade ao isolamento social é o ponto forte na crise. Mesmo assim, os números estão dobrando a cada três dias. No balanço de ontem, já eram 241 mortes e 6.836 casos confirmados, a uma taxa de 3,5% de letalidade. Na terça-feira, eram 201 mortes e 5.717 casos confirmados de infectados pelo novo coronavírus, o que aumentou a tensão entre os profissionais de saúde. Como há escassez de testes, o número de óbitos e casos confirmados está subnotificado. O próprio ministro Mandetta admitiu ontem que pode ser muito maior o contingente de infectados.

Equipamentos
O ponto fraco do sistema, por ora, não é a falta de leitos, é de equipamentos de proteção para o pessoal da saúde. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) já registrou 2.600 denúncias de falta, escassez e restrição de equipamentos de proteção entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. As denúncias vão desde relatos de proibição de uso do material existente na instituição, para não instaurar pânico na população atendida, à falta de equipamentos básicos. Entre aqueles que fizeram as denúncias, 87% relatam a falta de máscaras do tipo N95 ou PF2, indicadas para o atendimento de casos da doença, e a falta do álcool em gel com 70% de álcool, em 28% das denúncias. Além disso, em 51% dos locais denunciados, faltam de quatro a sete tipos diferentes de materiais, como luvas, gorro e álcool.

Mesmo os hospitais de referência estão tendo problemas. O Hospital Albert Einstein e Sírio-Libanês já afastaram 452 funcionários. No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), 125 profissionais foram afastados por infecção. O hospital utiliza, em média, 5.700 máscaras. Com o coronavírus, passaram a ser 40 mil máscaras. O consumo de álcool em gel passou de 1.330 litros para 6.700 litros mensais; aventais, de 15 para 45 mil, e toucas, de 105 mil para 211 mil. Esse é o cenário mais delicado no momento, apesar da mobilização de indústrias, como Ambev e Natura; confecções, como a Lupo, e até bancos, como Bradesco, Itaú e Santander, para produzir ou doar equipamentos. É grande o risco de o sistema de saúde entrar em colapso por causa do número de casos da epidemia, daí a importância de manter o confinamento. Há que se considerar, sobretudo, a situação dos médicos e enfermeiros, principalmente intensivistas e infectologistas. Ontem, por exemplo, o infectologista Hélio Bacha, de 70 anos, do Alberto Einstein, confirmou que está com coronavírus.

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