quinta-feira, 11 de junho de 2020

Fernando Exman - Porteiras fechadas e lupas de prontidão

- Valor Econômico (10/06/2020)

Governo se prepara para intensificar aliança com Centrão

Foi-se o tempo em que o presidente Jair Bolsonaro poderia se jactar de ser o diferente da Praça. Aquele que, nas palavras de seus aliados, só andaria com os puros e seria o reinventor dos manuais da prática política. Menos de um ano e meio depois da posse, esse discurso se mostrou ser apenas uma promessa eleitoral. Uma ilusão com a qual os bolsonaristas mais fiéis - e menos pragmáticos - ainda não sabem como lidar. O governo, contudo, vai se adaptando. Está decidido a tentar maximizar os ganhos que uma parceria com o Centrão pode proporcionar, enquanto internamente buscará reduzir os potenciais danos desta nova dinâmica das relações com o Congresso.

O desafio do Palácio do Planalto é encontrar um modelo que garanta a construção de uma base de sustentação sólida sem assustar os eleitores que acreditaram na capacidade de Bolsonaro de “mudar tudo que está aí”, conforme assegurava o bordão do então candidato na campanha de 2018. Uma base que proteja o presidente de eventuais denúncias, processos de impeachment e comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Uma aliança congressual ampla o suficiente para aumentar as chances de aprovação de projetos de interesse do Executivo e neutralizar pautas-bomba. Tudo que os outros presidentes fizeram para conseguir governar, mas este se recusava.

Isso também sem colocar em risco outro slogan do presidente, segundo o qual sua administração até agora não foi atingida por nenhuma denúncia de corrupção. Essa é uma bandeira cara para os eleitores que acompanham com aflição os desdobramentos do rompimento de Bolsonaro com ex-ministro da Justiça Sergio Moro e, agora, os acenos do governo em direção ao Centrão.

Na visão do Palácio do Planalto, diga-se o que quiser sobre o Centrão, mas não há outro grupo capaz de preencher esses requisitos. O momento exige essa parceria e, portanto, ela precisa se concretizar. Rápido.

Até que demorou mais do que previam os líderes dessas legendas. Craques no ofício de garantir o meio de campo no Congresso para o governo do momento, eles jogaram parados depois de serem achincalhados durante toda a campanha eleitoral e o início da atual legislatura. Aprovaram os projetos e as reformas com os quais já concordavam e tinham se comprometido em seus próprios redutos eleitorais. Mas, enquanto demonstravam como poderiam ajudar ou quanta falta fariam longe, deixaram os poucos aliados do Planalto correrem de um lado para o outro. Quem cansou foi o governo.

Algumas dessas lideranças políticas chegaram a imaginar que o pedido de ajuda viria quando Bolsonaro e sua equipe econômica precisassem dar um novo ímpeto à agenda legislativa. Outras vislumbraram que o presidente acabaria por concluir que precisa urgentemente de um colchão de proteção no Parlamento para protegê-lo de eventuais crises, tanto em função de processos na Justiça Eleitoral como devido à atuação de aliados e familiares.

Esse momento chegou. A semana será marcada pelo início do julgamento, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das ações que podem levar à cassação da chapa vitoriosa em 2018. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) analisará se e como dará prosseguimento ao inquérito das “fake news”. Os riscos jurídicos a serem enfrentados pelo governo ficarão mais palpáveis e as oportunidades para o Centrão, ainda mais claras.

Como as emendas parlamentares ganharam caráter impositivo, as negociações de troca de apoio por cargos ganha um novo impulso.

Estabelece-se, assim, um novo desafio gerencial a ser enfrentado pelo presidente. Para Bolsonaro, o ideal seria manter o atual ministério e ceder ao Centrão apenas cargos de escalões inferiores, mesmo que estes postos sejam responsáveis pelo manejo de grandes volumes de recursos públicos. É isso, inclusive, o que se viu até agora com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e as tratativas sobre a ocupação de importantes secretarias do Ministério da Saúde.

Todos esses órgãos têm orçamentos bilionários e são responsáveis por assuntos que afetam diretamente a vida dos eleitores e de suas famílias. Mais do que isso: possuem capilaridade, ou seja, capacidade de atuação em diversas regiões do país. São ativos muito cobiçados pelos partidos políticos, mas que nunca foram suficientes para saciar as legendas mais fisiológicas.

Por isso está no radar do Executivo um cenário não muito distante em que crescerá a pressão dos neo-aliados para a ocupação de postos de primeiro escalão. Nesse caso mais extremo, o plano do governo é acolher as indicações políticas e até mesmo aceitar que novos ministros preencham como quiserem os organogramas de suas respectivas pastas. A prática conhecida como “porteira fechada” não é mais tratada no Palácio do Planalto como algo inconcebível, desde que cada ministro acompanhe os contratos mais delicados de sua área e tenha consciência de que pode ser responsabilizado por tudo que se passar sob seus domínios.

Um exemplo dos potenciais problemas na execução dessa fórmula já foi observado quando nenhum ministro quis assumir a paternidade da nomeação de um indicado do Centrão para a presidência do Banco do Nordeste (BNB). A nomeação durou um dia.

Nesse contexto, a Controladoria-Geral da União (CGU) ganharia ainda mais relevância. Auxiliares do presidente da República e parlamentares bolsonaristas dizem que mais do que nunca caberá aos órgãos de controle monitorar, no detalhe, a atividade de cada uma das pastas concedidas aos consórcios políticos.

Em mensagem ao Congresso no início do ano, o governo informou que em 2019 foram realizadas 433 demissões, 81 cassações de aposentadorias e 38 destituições de ocupantes de cargos em comissão pela CGU devido a transgressões. As estatísticas de 2020 e dos próximos anos mostrarão os efeitos práticos da atual mudança de postura do governo. Espera-se que esses dados não sejam alvo de contabilidade criativa, assim como ocorreu no caso dos indicadores sobre o avanço do coronavírus no país.

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