quinta-feira, 11 de junho de 2020

Míriam Leitão - Intervenção em universidades

- O Globo

O governo Bolsonaro amanheceu ontem atentando contra mais um princípio constitucional: a autonomia das universidades federais. Isso é uma constante no tempo doloroso que vivemos. É certo que, a cada dia, ele tentará de alguma forma enfraquecer alguma instituição ou minar algum processo democrático. O absurdo de ontem, logo cedo, foi a Medida Provisória que dá a Abraham Weintraub o direito de nomear interventores para as universidades cujos reitores tiverem concluído seus mandatos no período do coronavírus. Bolsonaro e Weintraub estão usando a pandemia para intervir nas universidades.

O Ministério explicou que a MP está baseada na lei que estabeleceu medidas “para o enfrentamento de emergência de saúde pública”. O presidente desdenha da pandemia, sabota todos os esforços de saúde pública e defende que nenhuma medida de precaução deveria ser adotada. Porém, usa a lei que respalda o governo na tomada de decisões na área da saúde para suprimir o processo de escolha da lista tríplice para reitores universitários. Normalmente é feita uma longa consulta na comunidade acadêmica, que inclui alunos, professores e funcionários. A partir daí forma-se uma lista tríplice de eleitos que é levada ao presidente da República.

Desde o primeiro dia deste governo a educação tem sido alvo de ataques. O objetivo é destruir. E isso é feito através da escolha de néscios para o cargo de ministro. Foram dois. O primeiro era até inofensivo perto desse que chegou ao cargo achando que estava numa missão de demolição, inclusive da língua portuguesa. A educação é o assunto menos relevante para ele, como mostrou naquela reunião ministerial de 22 de abril, em que nada falou sobre as questões da sua pasta no meio da pandemia. Dedicou o seu tempo a uma confusa catarse, em que se disse perseguido, alegou que tem se “ferrado”, defendeu a destruição de Brasília, disse que odeia a definição de “povos indígenas” e pediu a prisão dos ministros do Supremo. Essa fala transtornada deveria ter sido suficiente para ele perder o cargo. Com a MP de ontem ele ganhou mais poderes.

Curiosamente a crise de saúde pública que Bolsonaro desdenha foi a justificativa dada pelo MEC para a MP que dá a Weintraub poderes de nomear “reitores temporários”. Ou “interventores”, como define, com mais precisão, o presidente da Associação dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior, João Carlos Salles.

Há cerca de 20 universidades com processos pendentes até o fim do ano, em estágios diversos, entre elas a do Pará, do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rural de Pernambuco, Lavras, São João Del Rei, Tecnológica do Paraná. Algumas já estavam com a consulta quase concluída quando as aulas foram suspensas. Há diversas soluções temporárias, como a de manter o atual reitor até que se possa escolher a nova lista tríplice ouvindo alunos, professores e funcionários, como sugere a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho. Outra ideia que ouvi de um ex-reitor é manter o vice-reitor que tenha sido escolhido em data posterior e, portanto, ainda tenha mandato. Uma consulta informal, se houvesse diálogo entre o Ministério e a comunidade acadêmica, permitiria encontrar uma solução para preservar a autonomia administrativa das entidades. O governo, claro, preferiu uma saída ilegal e autoritária.

A comissão da Câmara dos Deputados que acompanha o MEC soltou uma nota dizendo que a MP “afronta o estabelecido pelo Artigo 207 da Constituição Federal, que dispõe sobre a autonomia das universidades para decidir sobre questões administrativas, didático-científicas, gestão financeira e patrimonial”. Segundo a comissão, a MP é “antidemocrática e inconstitucional”. Por isso, os deputados pediram a devolução imediata da Medida Provisória. Até porque outra MP sobre o mesmo assunto acaba de caducar.

Desde que assumiu o cargo, Weintraub vem ofendendo as universidades e fazendo acusações difamatórias que não consegue provar. Ele tem sido também completamente omisso em outras questões do Ministério relacionadas ao ensino básico. Exemplo foi a sua ausência no debate sobre o Fundeb. Essa nulidade terá agora o poder de nomear interventores nas universidades públicas do país.

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