segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Auxílio emergencial sustenta o consumo nas regiões mais pobres

Para economistas, efeito é limitado e impacto do Norte e Nordeste no PIB, pequeno

Por Anaïs Fernandes e Hugo Passarelli | Valor Econômico

SÃO PAULO - O auxílio emergencial ajudou a sustentar o consumo, sobretudo de bens e serviços essenciais, em regiões mais pobres do país, segundo indicadores coletados pelo Banco Central e fontes privadas, como a Cielo e o Santander. Os dados atestam a recuperação da atividade no Norte e Nordeste, mas também apontam para a fragilidade do processo. Isso porque o peso dessas regiões no Produto Interno Bruto (PIB) ainda é pequeno e, como há dependência do dinheiro fornecido pelo governo, a retomada está sujeita a mudanças no benefício.

Em seu mais recente Boletim Regional, o BC observou que, na média das três primeiras semanas de julho, o nível de consumo da região Norte era 37% superior ao momento pré-pandemia (média semanal de 4 de fevereiro a 16 de março). No Nordeste e Centro-Oeste, o crescimento atingiu 16%, enquanto Sul e Sudeste estavam apenas 1% e 2% acima, nesta ordem. O levantamento usou dados de venda com cartão de débito da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) para medir a “temperatura” do consumo das famílias por municípios, regiões e faixas de renda.

O relatório mostra gráficos em que municípios brasileiros mais pobres (no primeiro e segundo quartil de renda) apresentavam, em 20 de julho, um patamar de recuperação de vendas a débito mais forte do que o observado entre as cidades mais ricas (terceiro e quarto quartil). O BC nota que cidades na base da pirâmide estão proporcionalmente mais presentes no Norte e Nordeste e que, nessas regiões, a diferença entre a força de recuperação do consumo em cidades mais pobres e mais ricas era ainda maior.

Para o BC, é possível que municípios mais pobres “tenham tido menores reduções de consumo no início do agravamento da pandemia da covid-19 no país, por terem em suas cestas parcela maior de bens e serviços essenciais ou por terem sido atingidos mais tardiamente pela epidemia”. Além disso, o BC afirma que municípios dos quartis inferiores de renda foram mais favorecidos pelo auxílio emergencial, “contribuindo para retomada mais expressiva do consumo”.

Economistas ponderam que parte dos beneficiários do auxílio não é bancarizada e pode não ter sido captada pelo BC. “Mas como foi uma massa de recursos grande, mexeu com o consumo. Acho que [o diagnóstico] está na direção está correta”, afirma a economista Tania Bacelar, professora emérita da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e sócia da consultoria Ceplan.

Mapeamento feito por Cassiano Trovão, doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mostra que a participação do auxílio, considerando a massa de renda de todas as fontes, supera 25% na maior parte dos Estados do Norte e Nordeste. No Centro-Oeste, Sudeste e Sul, a fatia não chega a 15%. Apenas no Maranhão, o benefício representa quase 39% da massa de renda total; em Alagoas, 32%; no Piauí, 30%; e no Pará, 29,5%.

No Nordeste, cidades pequenas chegam a ter boa parte da população beneficiada pelo auxílio, diz Tania. “Isso dinamiza a feira, a farmácia, a padaria, a manicure.” Além do volume de pessoas atingidas, a renda dessas famílias também cresceu substancialmente. “Quem estava no Bolsa Família ganhando R$ 200 viu a renda triplicar”, diz Tania.

O IGet, índice de vendas no varejo do Santander, captou um crescimento maior do comércio no Norte e Nordeste já em junho. No mês, as regiões registraram avanço médio de 5,5% ante maio, enquanto o crescimento médio de Centro-Oeste, Sudeste e Sul foi de 2,2,%, segundo Lucas Maynard, economista do banco. O IGet geral subiu cerca de 4%.

Maynard diz que as diferenças regionais têm, em algum grau, relação com os quartis de renda e o peso do auxílio, mas ele observa também que o tombo no Norte e Nordeste foi maior. “No vale da crise, em abril, a perda média foi de 18%, contra 10% para as outras regiões”, diz. Em julho, Norte e Nordeste viram o IGet avançar, na média, 3,3,%, enquanto Centro-Oeste, Sudeste e Sul cresceram 10% - e aqui também há algum efeito da base comparativa, observa Maynard.

No Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), que mede o faturamento nominal do setor, as diferenças regionais parecem ter mais relação com a questão sanitária, aponta Gabriel Mariotto, superintendente-executivo de Inteligência da Cielo. O índice mostra que, até 22 de agosto, o faturamento das vendas físicas na região Norte já estava 5% acima do período pré-pandemia (fevereiro ajustado). No pior momento, em abril passado, a queda foi de 25%, sempre em relação ao pré-crise. No Sul, a queda naquele mês foi de 27%, melhorando para -16% em maio, mas, desde então, o índice ronda quedas entre 13% e 14%.

“São extremos de comportamento. O Norte foi muito afetado de início, teve fechamento forte da economia e hoje vemos uma redução na crise da saúde. Já o Sul teve retomada mais rápida em maio, parecia que a região não seria tão afetada, mas depois os casos começaram a aumentar e vemos estabilidade da taxa de recuperação”, diz Mariotto.

Sudeste e Nordeste, por sua vez, foram regiões atingidas desde o começo da pandemia e seguem com a atividade penalizada. O consumo pela ótica da Cielo ainda está 16% e 14%, respectivamente, abaixo do pré-crise.

Os economistas relatam incertezas a respeito da sustentação do consumo nas cidades mais pobres se o auxílio for encerrado. “Aquele respiro que vemos pode desaparecer”, diz Trovão, acrescentando que o mercado de trabalho ainda está muito fraco.

Para o BC, “uma recuperação mais vigorosa da economia nacional pode depender do retorno mais amplo da oferta de bens e serviços e do consumo da população dos municípios de renda mais alta”. Maynard, do Santander, observa que o varejo de Estados de peso, como de São Paulo e Rio de Janeiro, ainda não recuperou toda a perda da pandemia, o que abre espaço para avanços.

O ICVA do Brasil, que contabiliza também vendas do varejo on-line, estava, até 22 de agosto, 12% abaixo do verificado em fevereiro. Sem considerar os segmentos ligados a turismo e transporte, o faturamento do e-commerce avança 43,4% ante o pré-crise. Incluindo os dois segmentos, afetados pela parada de atividades presenciais, o indicador total registrou em agosto seu primeiro resultado positivo, com alta de +2,6%. Em abril, caía 30,4%.

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