- O Globo
Eu choro por minha terra e minha gente
Quem temia que a vaca fosse para o brejo já tratou de se atualizar. Agora receia que não sobre uma única vaca, com este passar da boiada em direção ao atoleiro. No pântano nem há mais risco de que se atolem. O Pantanal era lugar de água, com cheias de rios que refletiam o céu. Agora é de chamas que não se apagam, por mais que se lute. Só se vierem chuvas fortes, que tardam. Seu regime foi alterado pelo desmatamento, enquanto os órgãos de fiscalização ambiental são desmantelados, para permitir a derrubada da mata, o garimpo ilegal, a invasão de terras indígenas, a grilagem. Num país que quer taxar livros e isenta igrejas. E onde presidente acha que pode ameaçar jornalistas.
Vemos há semanas que o Pantanal está pegando fogo — além do Pará, de áreas no Amazonas e por toda parte. Nem a Mata Atlântica escapa. Tivemos queimadas dias a fio na Mantiqueira e na Serra dos Órgãos. Além dos contumazes desmatadores, um sujeito tacou fogo no próprio carro em Araras para dar um golpe no seguro e incendiou a reserva florestal. Aprendera bem a lição nacional da impunidade para a esperteza de não produzir e se apropriar do alheio.
Já as araras com minúscula, aquelas azuis que inspiraram campanhas de preservação, se escaparem das labaredas em Mato Grosso ficam condenadas a morrer de fome. Queimou-se a mata onde viviam mais de 700 delas , acabaram frutas e sementes. Sorte igualmente terrível tiveram seus vizinhos que não voam: jacarés, antas, veados, quatis, onças, toda a fauna da região vai ardendo. E já começa outra frente de chamas na Serra da Canastra, onde nasce o São Francisco, o rio considerado da integração nacional. Acompanha a nação que se desintegra.
O mundo se preocupa com os efeitos sobre o clima. Ambientalistas avisam. Empresários alertam sobre as consequências na economia. Adianta?
Ficam muitos fazendo “lives”, enquanto o vírus e o fogo fazem “deaths”. E eu choro por minha terra e minha gente, meu país com nome de árvore, a se consumir neste inferno.
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