domingo, 2 de agosto de 2020

José Carlos Capinan* - Otimismo e realidade

- Esquerda Democrática 

Memoráveis dias da quarentena, ao fim da tarde, aguardo latir os cães, fiéis ao encontro, interlocutores únicos do vazio, anunciando a vigília, todas as noites, quando me acostumava ao soar das “Ave-Maria” agora ausentes.

Narrativas dão conta de um novo amanhã, anunciando que a experiência do isolamento mudará o mundo, superando os conflitos da competição, uma vez provada a fragilidade da existência humana, impotente diante da morte apesar do extraordinário avanço do conhecimento científico.

Ao invés do niilismo, parecemos acreditar que a força da solidariedade despertará um novo homem, prisioneiro do consumismo, fazendo surgir dessa pandemia assustadora uma regeneração universal da humanidade, libertando-a, por consequência, da corrida por ter, por possuir cada vez mais, esbarrando às cegas no outro, sem perceber sua desvairada pulsão egotista por obter carros, lanchas etc... objetos, numa ânsia por matar uma sede insaciável.

Desconfio de que a lição não será suficiente. Certamente encontraremos a vacina, que nos livrará desse pesadelo da morte, a nos aguardar do lado de fora de nossos abrigos. Mas a vacina contra o egoísmo sequer está sendo cogitada.

Mudanças comportamentais ocorrerão mas o capital voltará a devorar nossas entranhas, nos mercados, nas igrejas, nas ruas e, inclusive, dentro dos nossos lares.

Que me perdoem os otimistas. Profundamente, desejo que estejam certos, pois é possível e necessário um mundo melhor. Entretanto...

*José Carlos Capinan, poeta e músico, membro da Academia de Letras da Bahia.

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