Congresso deveria primeiro tomar as medidas necessárias para reduzir despesas obrigatórias
É previsível a trajetória da dívida pública em tempos de coronavírus. Pelas previsões do governo, o déficit primário fechará o ano acima de 11% do PIB, elevando a dívida bruta para 95% desse mesmo PIB. Em junho, as contas públicas atingiram um recorde histórico: fecharam o mês na casa dos R$ 195 bilhões negativos. Num só mês, o país registrou uma marca pior que em todos os anos desde pelo menos 1997, pelos dados do Tesouro.
Tão previsíveis quanto a alta vertiginosa nas despesas — necessária para suprir a área da saúde e garantir a sobrevivência de milhões de desamparados — são as pressões para usar a emergência como pretexto e derrubar os mecanismos de controle de que o Estado dispõe sobre seus gastos. O alvo preferido é o limite criado em 2016 pela Emenda Constitucional 95, o teto de gastos.
O jornal “O Estado de S. Paulo” noticiou que a Casa Civil, de Braga Netto, consultaria o Tribunal de Contas (TCU) para abrir uma exceção ao teto para investimentos públicos, depois recuou. Não quer dizer que não haja outras tentativas da parte de políticos interessados em mais despesas. O ex-deputado e ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, cuja competência ficou comprovada na condução da reforma da Previdência, tornou-se outro defensor vocal da flexibilização do teto.
Na visão simplista dos críticos, o teto impede investimentos e gastos sociais. A afirmativa é falsa. Saúde e educação ficam fora da conta do teto. Pelos cálculos do economista Marcos Mendes, as despesas com saúde estão 3% acima do que seriam sem ele. O principal equívoco das críticas nem é ignorar os fatos. É não entender a essência do mecanismo: explicitar os conflitos distributivos para que o Congresso decida onde o país deve gastar seu dinheiro. Sem o teto, tais decisões seriam empurradas com a barriga e, assim que a economia esboçasse recuperação, cairíamos no abismo fiscal e na espiral inflacionária.
Para lidar com a emergência da pandemia, o estado de calamidade — que poderia ser prorrogado até 2021 — permite ao Congresso aprovar créditos extraordinários, de modo a cobrir os gastos. Não dá para atribuir ao teto a responsabilidade pelas dificuldades. Equivale a pôr a culpa no sistema de estabilização de um avião porque uma bomba explodiu no compartimento de carga.
Qualquer flexibilização do teto deveria suceder a reformas capazes de reduzir as despesas obrigatórias. Em vez disso, o governo prefere aumentar receitas. Encaminhou ao Congresso uma reforma que amplia a carga tributária e prevê reinstituir um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da extinta CPMF. As prioridades deveriam ser a PEC Emergencial e a regulamentação dos artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal, derrubados pelo Supremo, que permitiriam a redução de gastos com o funcionalismo.
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