As
próximas terão que recorrer à ficção ou ao delírio para contar como foram 2020 e
seus desdobramentos
Retrospectivas
de fim de ano servem para passar o passado a limpo e organizar nossas
lembranças, que, sem elas, seriam histórias sem nexo. O retrospectivista mais
desatento da História foi Luís XVI, que, na véspera da Revolução Francesa,
escreveu no seu diário: “Tudo calmo, nenhuma novidade no reino”. A tradição de
recapitular os principais acontecimentos do ano teria começado no ano 1, quando
um viajante no deserto anotou no seu caderno de viagem a presença daquela
estranha estrela no céu da Judeia, brilhando mais do que as outras, como que
mostrando um caminho, e disse “Epa”.
No jornalismo, uma retrospectiva de fim de ano é obrigatória e fácil de fazer. Basta juntar fatos e feitos que se destacaram durante o ano e pronto. O ano de 2020, que termina hoje, esteve cheio de notícias destacáveis, como todos os anos. É só reuni-las e teremos um típico ano com seus altos e baixos, esperando sua inclusão na retrospectiva. Como todos os anos. Certo?
Você
deve estar brincando com os pobres autores de retrospectivas e com a humanidade
em geral. Nenhum outro ano na nossa História foi tão diferente dos outros
quanto 2020. Nenhuma outra retrospectiva foi — e continua sendo —tão
inverossímil. Um vírus mal-intencionado surgiu não se sabe de onde decidido a
acabar conosco e, mesmo se não conseguir, a alterar a vida sobre a Terra e a
relação entre as pessoas de maneira inédita, com efeitos imprevisíveis no
futuro de cada um.
Retrospectivas
por vir terão que recorrer à ficção ou ao delírio para contar como foram 2020 e
seus desdobramentos. Elas podem muito bem ser sobre a guerra da vacina que
fatalmente acontecerá em poucos anos, ricos contra pobres lutando pela
sobrevivência.
Prevê-se
que retrospectivas do futuro se ocuparão do comportamento de jovens, em 2020 e
depois, que desafiaram as recomendações de como enfrentar o vírus assassino e
continuaram fazendo festas sem qualquer proteção, sugerindo que o vírus, além
de todos os seus crimes, criará uma geração de desinformados, de alienados ou
de suicidas.
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