Mais
de 65 milhões de pessoas recebem o auxílio emergencial. Será que o mercado de
trabalho terá condições de absorver boa parte desse universo logo no início de
2021?
O
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defende apoiar a vacinação em
lugar de prorrogar o auxílio emergencial. Para ele, a retomada em V da economia
permitirá a absorção no mercado de trabalho dos brasileiros que estão parados.
Dali para a frente eles poderão viver da renda do trabalho, e não da renda do
coronavoucher.
Tudo
indica, porém, que a tão desejada sincronia vai demorar algum tempo. Mais de 65
milhões de pessoas recebem o auxílio emergencial. Será que o mercado de
trabalho terá condições de absorver boa parte desse universo logo no início de
2021?
Grande
parte da retomada em V deveu-se ao sucesso dos programas de redução de jornada
e suspensão do contrato de trabalho que manteve 10 milhões de empregos formais
e propiciou dados positivos no Caged. Outra parte deveu-se ao próprio auxílio
emergencial de R$ 600 e, depois, de R$ 300.
Mas esses programas terminam hoje. Noticia-se a possível prorrogação da redução de jornada e suspensão dos contratos, o que é animador. Mas, até o fechamento deste artigo, nada se falou sobre a prorrogação do coronavoucher. Lembremos que para cerca de 23 milhões dos beneficiados sua única renda é a do auxílio emergencial.
Na
ausência do coronavoucher e com o fechamento de muitas atividades econômicas em
razão da segunda onda da pandemia, antecipa-se um vácuo de renda para milhões
de famílias exatamente na hora em que a inflação castiga os mais pobres.
Outra
preocupação refere-se ao retardamento da vacinação dessas pessoas. Para cumprir
a escala de prioridades – idosos, pessoas com comorbidades, profissionais da
saúde, professores e indígenas –, será grande o número dos que ficarão sem
vacina, sem trabalho e sem auxílio emergencial por um bom tempo. É um cenário
muito preocupante.
Sei
que o problema fiscal é gravíssimo. Mas quem tem coragem de deixar idosos,
adultos e crianças passando fome? O governo terá de agir, como de resto vem
sendo feito em vários países que já prorrogaram ajudas às empresas e às
famílias em vista da renitência da pandemia. Os estragos no equilíbrio fiscal
terão de ser consertados ao longo da década que hoje se inicia.
Para
o médio prazo, há sinais alentadores de geração de emprego e renda. A
reativação da construção de casas populares é um deles. No campo da energia, a
implantação de 2 mil quilômetros de linhas de transmissão e subestações até
aqui concedidas vai demandar muito trabalho, sem falar na expansão das fontes
de energia eólica. As concessões já aprovadas pelo Ministério da Infraestrutura
(várias rodovias, ferroviárias da Malha Oeste e Sul, incentivo à cabotagem,
privatização de 16 aeroportos e das Docas de Santos e outras) implicarão muitas
obras que têm grande potencial de empregos por vários anos. A pujança do agro,
apesar de bastante mecanizado, gera muito emprego no comércio e nos serviços
locais – e as perspectivas são de crescimento. A melhoria da mobilidade urbana
e a reestruturação dos locais de trabalho nas zonas suburbanas após o
alastramento do home office são ricas fontes de emprego. As necessidades nos
campos da educação e da saúde são imensas, incluindo aqui o atendimento de
idosos.
Enfim,
quando se observam o quanto está para ser feito e o gigantesco potencial deste
enorme país, o Brasil pode se transformar numa grande usina de empregos ao longo
desta nova década. Para chegar lá, é claro, teremos de promover as benditas
reformas e nem pensar em nova década perdida!
* Professor da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP, é membro da Academia Paulista de Letras
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