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5 a 0, agência de vigilância sanitária resgatou vida e ciência e recusou culto
à morte
Devotos
do apóstolo Tomé, que exigiu ver o Cristo ressuscitado e tocar nas chagas da
crucifixão para crer, tinham sérias razões para duvidar que a diretoria da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizasse o uso emergencial
da Coronavac, do laboratório chinês Sinovac e do Instituto Butantan, paulista.
Seus cinco diretores foram indicados pelo presidente Jair Bolsonaro, que chama
o imunizante de “vachina” e fez o possível e impossível para sabotar sua
utilização na “campanha nacional de vacinação”, de ainda duvidosa existência,
fiel à condição de artilheiro matador e a sua estúpida negação da ciência.
Tal dúvida tinha precedente a motivá-la. O diretor-presidente da agência, contra-almirante Antônio Barra Torres, apesar de médico, prestigiou, ao lado do chefe do Executivo, ato antidemocrático na Esplanada dos Ministérios, sem máscara nem distanciamento social, em 15 de março de 2020. Ficou claro na ocasião seu apoio aos golpistas bolsonaristas, expostos na ocasião em palavras de ordem, cartazes e faixas de ataque ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional.
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, foram os nomes mais criticados pelos manifestantes. Em cartazes, parlamentares eram chamados de chantagistas. Um deles defendia fogo e álcool combinados para enfrentar o “vírus” do Supremo Tribunal Federal (STF). “Bolsonaro se aproximou dos manifestantes, fez selfies com o rosto colado e tocou nas mãos das pessoas. Em alguns momentos da transmissão do encontro, Torres apareceu filmando os cumprimentos entre Bolsonaro e os apoiadores presentes”, conforme relato dos repórteres do Estadão Jussara Soares e Mateus Vargas.
Imensa,
portanto, foi a surpresa de telespectadores que, em audiência de transmissão de
decisão futebolística, acompanharam a decisão histórica esperando o pior, caso
do autor destas linhas, ao ouvir a abertura de Torres endossando as orientações
da Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate à pandemia: distanciamento
social, uso de máscaras e higienização obsessiva. Estas foram adotadas pelo
primeiro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e pelo governador do
Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, que, há dez meses, proibiu aglomerações.
As recomendações dos técnicos deram o pontapé inicial nas dúvidas que ainda
pairavam no ar sobre a votação.
A
relatora, Meiruze Freitas, foi indicada pelo corpo técnico da Anvisa, com
estabilidade garantida pela Constituição (conforme destacou o penúltimo diretor
a votar), e indicou caminho similar ao dos apóstolos de Cristo na estrada de
Emaús: aprovação da Coronavac com a garantia de acompanhamento da segurança
pelos fornecedores e pela própria agência. Romison Mota e Cristiane Gomes,
também nomeados pelo capitão cloroquina, acompanharam a relatora.
O
quarto voto merece destaque. Foi de Alex Campos, que começou homenageando, de
forma emocionante, os mortos por covid e seus entes queridos enlutados. Numa
demonstração de coragem e gratidão, citou o ex-ministro Mandetta, em cujo
gabinete serviu e por quem foi indicado ao presidente para preencher o cargo.
E, last but not least,
elogiou a independência no trabalho dos meios de comunicação, que, a seu ver, o
servidor público deve respeitar. Sem perder em momento algum a sobriedade, deu
uma aula de civilidade e responsabilidade e, garantida a maioria, afastou o
fantasma do negacionismo, que pareceu fugir da sala.
No
último voto, o presidente Torres jogou a pá de cal nas pretensões de quem o
indicou para o posto e apostou na mortífera tentativa de desqualificação da
imunização. Na sessão, de mais de cinco horas, o brado de independência foi:
“Vá e vacine”. E só imunizar não deterá o avanço do contágio do novo
coronavírus. A cereja do bolo foi a condenação explícita do “tratamento
precoce”, codinome da devastadora hidroxicloroquina, que o charlatão-mor da
República quer impor a médicos e hospitais do País.
A
Anvisa deu o primeiro passo. Os secretários estaduais de Saúde se disseram no
limite com o ainda chefe do governo. Em entrevista ao canal do autor deste
artigo no YouTube, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior disse que há
mais motivos para impeachment agora do que quando participou do de Collor e foi
coautor do de Dilma. O próprio capitão de milícias não se fez de rogado ao
comentar a goleada de cinco a zero sofrida: “Não tem o que discutir mais”. E
eximiu-se do dever de ofício de apoiar a imunização.
Isso
faz lembrar a fábula do moleiro ao comentar a vitória sobre Frederico II,
“sacro imperador da Prússia”, que tentou desapropriar seu moinho: “Ainda há
juízes em Berlim”. Sim. Em Brasília há a Anvisa. Resta saber se ainda existirão
no cerrado seco representantes do povo no Congresso e ministros da cúpula
judiciária à altura de seus cargos para fazer o que urge: depor o capitão da
morte Jair Bolsonaro por meios constitucionais. Isso já devia ter sido feito.
Mas sempre será tempo de mudar e fazê-lo, como o fez Barra Torres. Agora, não.
Já! Se qualquer dia for perdido, mais de mil brasileiros serão condenados à
morte por omissão e inépcia de um governo assassino.
*Jornalista, poeta e escritor
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