RIO
– Uma bravata perigosa. Assim o historiador José Murilo
de Carvalho classifica a declaração do presidente Jair
Bolsonaro apontando nas Forças Armadas o poder de determinar se o Brasil é uma democracia
ou uma ditadura. Embora admita que o que mandatário afirmou é em
parte verdadeiro – considera que a República brasileira é tutelada pelos
quartéis –, o pesquisador avalia que ele não fala pelos altos comandos de
Marinha, do Exército e da Aeronáutica. E aponta um risco nas atitudes do
presidente. Ele, afirma, se dirige aos escalões inferiores da hierarquia
castrense e às polícias militares. Para o professor, trata-se de uma “violação
da hierarquia”.
“É
veneno para as corporações militares”, preocupa-se. “Para o historiador,
Bolsonaro “fracassou” na “guerra da vacina” e tenta retomar protagonismo”. Mas
não conseguirá bom resultado se tentar envolver os fardados e desafiar a sua
hierarquia, adverte José Murilo, que diz que na pandemia Bolsonaro “lutou do
lado errado”.
A seguir, os principais trechos da entrevista de José Murilo ao Estadão.
Onde
o presidente Bolsonaro quer chegar quando diz que depende das Forças Armadas se
o Brasil vai ser uma democracia ou uma ditadura?
A
declaração é contraditória. Dizer que a democracia depende das Forças Armadas é dizer que já não há democracia, o que em
parte é verdade na medida em que temos uma república tutelada. Só teremos uma
república democrática quando ela não depender de apoio militar. A república
norte-americana passou por uma crise séria, sem que os militares se
manifestassem.
Essa
declaração é apenas uma bravata ou há uma ameaça real de golpe, com
possibilidade de se concretizar?
É
uma bravata perigosa. Ele fala em “nós militares”, colocando-se
como porta-voz do grupo, o que ele certamente não é. Pela lei, quem fala
pelos militares são seus comandantes. Se falasse como presidente, chefe
das Forças Armadas seria ainda pior, porque estaria colocando a presidência
como defensora de um grupo social. A bravata é perigosa para ele por
estar usurpando a autoridade dos comandantes das três forças.
Em
sua avaliação, Bolsonaro tem apoio das Forças Armadas, no seu todo ou em parte,
para esse tipo de declaração?
Como
já indicou o comandante do Exército, general (Edson) Pujol, aliás colega dele
na AMAN, quando condenou a politização das Forças Armadas, ele (Bolsonaro) não
fala em nome delas. O presidente tem feito um jogo perigoso ao se dirigir a
escalões inferiores da hierarquia militar e às polícias militares. Essa
violação da hierarquia é veneno para as corporações militares.
Bolsonaro
tenta usar as Forças Armadas como “espantalho” contra um eventual processo de
impeachment?
Se for o caso, acho que será mais um erro político, um tiro que poderá sair pela culatra por estar comprometendo as Forças Armadas com seu projeto político pessoal. Esse envolvimento não interessa às Forças Armadas que vêm tentando fugir à acusação de que estamos diante de um governo militar e não apenas de um governo com militares.
O
que explica que Bolsonaro sempre volte à temática e ao imaginário da ditadura,
já que ela é passado distante e ele, que ainda não era militar profissional no
período mais duro do autoritarismo, deve à democracia a eleição para a
Presidência?
O
cadete Bolsonaro, número 531, cujo apelido era Cavalão, frequentou a AMAN de
1974 a 1977, em plena ditadura. Teve como instrutores oficiais que lutaram contra a
guerrilha do Araguaia montada por militantes do PCdoB, chamados por Bolsonaro em 2009 de “cambada comunista”.
Está no livro de Luiz Maklouf Carvalho sobre ele, página 34. A
paranoia anticomunista dele nasceu ali e no caso dele, como no de muitos outros
militares, continua viva, agora talvez mais como jogada política.
Declarações
desse tipo seriam uma tática do presidente, lançando uma polêmica quando está
em desvantagem na opinião pública para desviar a atenção e ocupar o noticiário,
como agora, com os problemas que cercam a pandemia, a tragédia de Manaus e
ameaça de impeachment?
É
certamente tática de despistamento. A obsessão dele, como era a de Trump, é a
reeleição. Ele vai inventar tudo que possa compensar as perdas.
Diante
dessas novas declarações, podemos esperar uma nova fase de radicalização, por
parte do presidente?
Ele
fracassou redondamente na guerra da vacina e procura voltar à tona. Mas não se
dará bem se quiser envolver as corporações militares desafiando sua hierarquia.
Poderemos
voltar a 2020, com manifestações apoiadas por Bolsonaro pedindo fechamento do
Congresso e do STF?
Se tentar, terá o destino de seu líder norte-americano, sobretudo se os outros dois poderes da República se comportarem com maior responsabilidade. As pessoas estão cansadas da luta contra a pandemia, em que ele lutou do lado errado.
Um comentário:
Bolsonaro é lixo de 1964 e o Lulopetismo, lixo da Guerra-Fria. Nessa medida Lula ajudou a promover Bolsonaro como o mais "anticomunista" em ação. O PT que de "comunista" só tinha a fama se lascou.
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