quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Míriam Leitão - Primeiros e difíceis trabalhos de Biden

- O Globo

Não há mal que sempre dure. O governo Trump acaba e hoje começa a administração Joseph Biden e Kamala Harris. Não será um tempo fácil. Os Estados Unidos chegam a impensáveis 400 mil mortos por coronavírus e a recessão ceifa empregos. Biden terá que tomar decisões urgentes contra a pandemia. Por ordens executivas ele vai revogar políticas de Trump, principalmente na área externa. Tentará aprovar o pacote de US$ 1,9 trilhão de socorro aos trabalhadores e à economia e, como disse ontem Janet Yellen, a nova secretária do Tesouro, a mudança climática será assunto central na administração.

O economista José Alexandre Scheinkman, professor de Columbia, e professor emérito de Princeton, descreve o quadro em que o novo presidente assumirá:
— Biden está em situação complicada. A pandemia está acelerando, e os números previstos para os próximos meses são muito ruins. É difícil mudar a trajetória a curto prazo. O desemprego está com um número alto. Ele tem maioria apertada na Câmara e no Senado, e uma fração não desprezível da população está convencida, por fake news, evidentemente, de que Trump ganhou a eleição.

Em compensação, Scheinkman se diz muito impressionado com a qualidade da equipe que Biden escolheu em áreas fundamentais como economia e ciência:

— Janet Yellen é uma economista com merecida e ótima reputação, e todo mundo concorda que a conduta dela no Fed foi excelente. Para o Conselho de Assessores Econômicos, escolheu minha ex-colega de Princeton Cecilia Rouse, que respeito muito. É muito melhor do que qualquer dos conselheiros de Trump. Ele escolheu como assessor científico Eric Lander, que liderou nada menos que o Human Genome Project, extraordinariamente competente. E elevou o cargo ao nível de ministro. Depois de um governo que não acreditava em ciência, ele nomeou um cientista de primeiríssima linha.

Biden começa assim com uma mudança radical de atitude, mas seu primeiro trabalho, segundo Scheinkman, será “apagar incêndios”.

— Mudança climática é um desses incêndios. Evidentemente, os Estados Unidos voltarão ao Acordo de Paris. Trump tomou várias decisões nos últimos dias que se forem implementadas vão acelerar a crise climática. Biden terá de rever. Mas o mais imediato é reduzir a mortalidade da pandemia. E ele terá que negociar seu pacote, que ainda é apenas uma intenção e será alterado no Congresso. Sobre a economia, há um relativo otimismo de que a vacinação permitirá a volta — diz Scheinkman.

O professor diz que a crise de 2008, que Obama enfrentou ao assumir, destruiu o sistema financeiro, e a economia teve dificuldades. Não havia dinheiro, não havia empréstimos, nem investimentos. Agora, é diferente:

— Esta tem um aspecto que a gente não entende. A demanda pode voltar, mas os pequenos negócios podem ter desaparecido. Aqui em Nova York, todos gostam de café, mas alguns podem ter fechado. Muitos donos de loja desistiram do negócio.

Scheinkman diz que a vacinação é um grande desafio, porque há mais vacina produzida e entregue ao governo central do que as que estão sendo aplicadas pelos estados. Há um problema federal e outro estadual. Ele foi vacinado na segunda-feira, em Nova York:

— O processo ficou muito lento aqui, mas Cuomo (Andrew Cuomo, governador de Nova York) fez alterações. Uma delas é a de incluir professores de todas as redes, inclusive universitários, e pessoas de mais de 65 anos.

O mundo mudará radicalmente hoje, porque a direção da principal potência do mundo será outra, a partir do meio-dia. O Brasil sente nos últimos dias o peso da estúpida opção pelo isolamento. É uma das maiores nações do mundo, em extensão e em PIB, mas o presidente, seus assessores internacionais e seu ministro das Relações Exteriores são adeptos de teorias da conspiração. Ernesto Araújo chegou a dizer “que seja um país pária”. Ontem, o país não conseguia receber as vacinas da Índia, tinha dificuldades de diálogo com a China, e Bolsonaro viu o fim do governo do seu idolatrado Donald Trump. É um crime fazer isso com o Brasil, que sempre teve uma competente diplomacia. No caso dos Estados Unidos, a política externa de Bolsonaro cometeu o erro mais primário, o de confundir país com governo. Criou relações com Trump, que era transitório, em vez de ser com os Estados Unidos, hoje sob nova direção.

Nenhum comentário: