Regra
criada por Cunha e Maia embaralha o jogo para 2022
Pode parecer sandice, mas de certa forma o destino do governo Bolsonaro e até mesmo das eleições de 2022 poderá ser decidido graças a uma parceria entre Eduardo Cunha e Rodrigo Maia firmada seis anos atrás.
Mais
regulares e previsíveis do que os movimentos dos planetas ao redor do sol, as
reformas eleitorais no Brasil acontecem religiosamente a cada ano ímpar. Isso
se deve ao princípio da anterioridade, inscrito no Artigo 16 da Constituição,
que estabelece que as regras do jogo devem ser estabelecidas um ano antes da
ocorrência dos pleitos.
Criado para dar previsibilidade à disputa, esse dispositivo constitucional acaba gerando o efeito contrário: de dois em dois anos há uma corrida contra o tempo no Congresso para se alterarem as leis conforme os interesses daqueles que tentarão um novo mandato dali a 12 meses. E em 2021 não será diferente.
Num
de seus primeiros atos como presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PB)
constituiu um grupo de trabalho formado por 15 deputados, sob o comando de
Margarete Coelho (PP-PI), para rediscutir temas como distritão, volta das
coligações e cláusula de barreira. Como essas mudanças sempre são empurradas
para a undécima hora - visando reduzir o espaço para o debate público de ideias
que são, quase sempre, muito ruins para a competitividade do sistema político -
certamente trataremos delas em colunas futuras.
Antes
disso, voltemos a 2015, quando o país pegava fogo em meio ao estelionato
eleitoral de Dilma, pautas-bombas no Congresso e notícias diárias da Lava-Jato
abalando as estruturas de Brasília. Ocupando a presidência da Câmara, Eduardo
Cunha exercia com maestria seu papel de Francis Underwood brasileiro. Tal qual
o personagem principal de “House of Cards”, a série da Netflix que fazia
sucesso à época, Cunha conduzia o Plenário manobrando todas as brechas dos
regimentos não apenas para levar Dilma e o PT às cordas, como também para
acumular influência e poder.
Àquela
altura, a pressão da força-tarefa de Curitiba já ameaçava o status quo da
política brasileira, a ponto de animar o Supremo Tribunal Federal a ressuscitar
um processo que há muito jazia nos escaninhos do ministro Luiz Fux: um pedido
do Conselho Federal da OAB para declarar inconstitucionais as doações de
campanhas feitas por empresas.
Com
seu faro único para as viradas dos ventos na política, Cunha tratou de usar a
reforma eleitoral daquele ano em favor do seu grupo. Primeiro mais do que
dobrou o valor do fundo partidário (de R$ 313 milhões para R$ 811 milhões) e em
seguida propôs encurtar significativamente tanto a duração da disputa quanto o
tempo de propaganda no rádio e na TV. No discurso tudo era vendido como medidas
necessárias para tornar as campanhas mais baratas e diminuir a dependência do
capital empresarial, mas na verdade o objetivo foi aumentar o poder dos
políticos que já estavam lá.
Quem
comandou as negociações para a aprovação das novas normas eleitorais em 2015
foi Rodrigo Maia (DEM-RJ), nomeado por Cunha para ser o presidente da comissão
especial de reforma política. Maia chamou para si a responsabilidade de redigir
um substitutivo muito mais abrangente que a proposta inicial e também o parecer
do relator, deputado Paes Landim (PTB-PI).
Entre
as muitas mudanças arquitetadas pela dupla Cunha-Maia estava a postergação do
limite para filiação e trocas partidárias. Segundo a legislação em vigor até
então, toda pessoa que almejasse concorrer às eleições seguintes deveria se
filiar a uma legenda com no mínimo um ano de antecedência. Com a aprovação da
Lei nº 13.165/2015, esse prazo foi alterado para apenas seis meses antes das eleições,
criando-se ainda uma janela para que os parlamentares em mandato trocassem de
siglas sem incorrerem em infidelidade partidária.
Não
há nos anais daquela tramitação legislativa nenhuma justificativa de Rodrigo
Maia para essas alterações, mas nas duas janelas seguintes já foi possível
identificar seus efeitos e quem se deu bem com as novas regras. Logo em 2016
noventa deputados mudaram de time, e em 2018 foram outros 85 - ou seja, o
troca-troca gira em torno de 20% da Câmara a cada eleição. No cômputo geral, PT
e PSDB, que dominaram a cena política brasileira nas últimas três décadas,
foram bastante prejudicados. Entre os grandes vencedores, estiveram DEM, PP e
PL - algumas das agremiações preferidas dos parlamentares do Centrão.
Para
o político de baixa densidade ideológica, quanto mais tarde ele tiver que
decidir com qual legenda deverá concorrer nas próximas eleições, melhor. Ao
adiar o prazo de filiação partidária de outubro para março, a reforma de 2015
favoreceu o comportamento oportunista do Centrão, que agora tem seis meses a
mais para escolher qual canoa tem mais chances de chegar ao outro lado do rio.
Por
melhor que fosse sua intuição política, é óbvio que Eduardo Cunha e tampouco
Rodrigo Maia poderiam imaginar que sua manobra há seis anos poderia embaralhar
as cartas do jogo político no biênio 2021-2022.
Como
os seus liderados têm ainda um ano para resolverem se mudam de partido para as
eleições de 2022, é provável que Arthur Lira (PP-PI) continuará acendendo
somente sinais amarelos para Bolsonaro, num morde-e-assopra conveniente que
deixa portas abertas com o governo e também com a oposição.
O
adiamento da filiação partidária para março do ano que vem também beneficia
Lula, que não precisa ter pressa nem para forçar uma decisão dos demais partidos
de esquerda, e tampouco para costurar alianças com o Centrão nos Estados.
Por
fim, a medida é péssima para os entusiastas da construção de uma alternativa
entre bolsonaristas e lulistas. Com o deadline mais distante, maior deve ser a
demora para se definir a chapa - e enquanto isso tanto os agentes políticos
quanto o eleitorado vão sendo atraídos pelos dois polos opostos.
Se
o tal centro deixar para escalar seu time apenas em março de 2022, já entrará
em campo derrotado.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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