Como
sair dessa? Quando sair dessa? As perguntas não cessam de martelar nossa
cabeça, e cada um tenta respondê-las com a mistura de análise e desejo que se
entrelaçam em nossas conversas.
De
uma forma muito simples, sem censura, tento desenhar para mim um quadro ideal
de superação desta crise que, além de matar muita gente, pode nos roubar uma
década de desenvolvimento, segundo a própria ONU.
Nesse
quadro ideal, unifico três condições: um líder como a da Nova Zelândia, uma
vacinação tão intensa como a de Israel e um comportamento social como o
japonês.
Diante
desse quadro, sinto-me como aqueles andarilhos de uma peça de Harold Pinter que
entraram, subitamente, na cozinha de um restaurante. De repente, começaram a
surgir pedidos complexos, e eles tinham apenas alguns alimentos nas suas pobres
sacolas.
É preciso fazer algo com poucos recursos, porque a luta contra o vírus é real, assim como é verdadeira a tragédia que se abate sobre nosso povo.
O
primeiro ponto, liderança nacional: esquece.
Bolsonaro
é um estorvo, e temos de seguir sem ele nesta luta, derrubando-o assim que for
possível, pelos caminhos viáveis no momento dado.
É
necessário um comitê nacional de crise, e não farsa encenada pelo Planalto. Um
comitê que expresse a crítica à maneira como se conduziu até agora a luta
contra a pandemia.
De
nada adiantará, entretanto, apenas um comitê nacional. Ele teria de se apoiar
em centenas, talvez milhares, de microcomitês, que tentem impulsionar uma
política virtuosa. Esse movimento molecular ainda não surgiu na plenitude,
embora tenha se esboçado no princípio da pandemia.
Nos
milhares de grupos de amigos, dentro ou fora da internet, teria de ser colocada
a pergunta: o que podemos fazer dentro de nossas possibilidades? Sempre haverá
uma resposta, por mais modesta.
Essa
liderança multiplicada seria importante não só para a necessária solidariedade.
Mas também para a busca de uma nova tática que busque um comportamento mais
responsável diante da doença.
Mais
do que lições de moral, o discurso de cooperação só terá efeito se as pessoas
sentirem os benefícios de pertencer a um coletivo humano.
Isso
não implica a ausência de lockdowns, mas uma tentativa de superar, com o
comportamento, a sucessiva necessidade de lockdowns, o constante fecha e abre
que o vírus nos impõe.
O
êxito da vacinação não resolve o problema a curto prazo. O Chile planejou e
vacinou intensamente, mas está às voltas com um novo pico da doença.
A
vacinação em massa é a grande estratégia, e isso até o obtuso presidente parece
compreender, agora.
Não
creio que o governo conseguirá vacinar 70 milhões de brasileiros até o fim do
ano. Basta analisar o complexo mercado planetário de vacinas.
Quebrar
patentes é uma solução que a Índia e a África do Sul defendem. Ambas acreditam
que existem fábricas ociosas no Sul, e só não produzem porque não detêm o
conhecimento.
Esse
é um clamor justo. Como dizia Jonas Salk: vamos patentear o Sol?
Mas
não há tempo hábil. A própria Índia está restringindo exportações. A Europa
neste fim de semana fez uma reunião para endurecer as regras da exportação.
Além
de obter a tecnologia para produzir vacinas na Fiocruz e no Butantan, é
necessário ficar atento ao mercado internacional. Uma janela pode se abrir nos
EUA, que vacinam ao ritmo de três milhões por dia. Pfizer, Moderna e Johnson
podem ter uma folga no segundo semestre.
No
fim de semana, o Instituto Butantan anunciou uma vacina 100% nacional para ser
aplicada em julho. Terá de passar pela Anvisa, mas é uma esperança para o
segundo semestre.
Será na combinação desses fatores, nem todos favoráveis, que podemos achar um caminho. Uma liderança nacional colegiada tem apenas uma desvantagem: não dispõe dos recursos materiais que estão sob o controle de Bolsonaro. Mas pode funcionar.
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