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Folha de S. Paulo
Mesmo
antes de discutir impeachment, instituições poderiam ter dado tiros de
advertência para Bolsonaro antes que o desastre se consumasse
Se
eu fosse Jair Bolsonaro, também teria cortado
o financiamento do censo demográfico. No ritmo atual, chegaremos a meio
milhão de mortos causados pela pandemia no meio de junho. Se contássemos a
população esse ano, talvez Bolsonaro se tornasse o primeiro presidente
brasileiro a ter seus crimes mensurados pelo IBGE.
E, até agora, não aconteceu nada, absolutamente nada, com o presidente da
República.
Não é só que Bolsonaro sofreu menos do que Fernando Collor ou Dilma Rousseff,
presidentes que sofreram impeachment. Sofreu muito menos do que qualquer
presidente desde a redemocratização. Nos governos Lula e FHC, para ficar nos
dois mais bem-sucedidos das últimas décadas, ministros caíam por qualquer
denúncia. CPIs eram fatos normais da vida política nacional.
Mesmo
antes de discutir impeachment, as instituições poderiam ter dado tiros de
advertência para Bolsonaro antes que o desastre se consumasse. Fizeram isso em
todos os outros governos. Não fizeram nesse.
Poderiam ter cassado o mandato dos elementos mais extremistas do bolsonarismo.
Ao invés disso, a deputada
extremista Bia Kicis preside a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Em
2020, o filho
mais radical do presidente, Eduardo Bolsonaro, disse em uma transmissão
online que um golpe de Estado não era questão de “se”, mas de “quando”. Se o
Congresso achava demais derrubar Bolsonaro por seu golpismo, podia ter cassado
o mandato de seu filho, contra quem as provas eram absolutamente indiscutíveis.
Não
fizeram nada. Eduardo Bolsonaro não sofreu qualquer consequência e ainda tem
poder de veto na escolha de ministros da Saúde.
O ex-ministro
e deputado Osmar Terra alimenta o Planalto com projeções falsas desde
o início da pandemia e as divulga impunemente para o público. Depois do próprio
Bolsonaro, é o principal responsável pelo desastre. Poderia ter sido cassado no
início da pandemia como advertência ao Planalto. Não foi. Continua mentindo nas
redes sociais.
Enfim, mesmo se as instituições quisessem evitar o trauma do segundo
impeachment em quatro anos –o que já seria covarde, o impeachment em excesso
foi o de 2016–, toda essa gente poderia ter sido derrubada como advertência a
Bolsonaro. Em todos os governos anteriores, gente muito melhor caiu por muito
menos.
Ninguém fez nada, por medo dos militares e por gratidão por Bolsonaro ter
matado a Lava Jato.
Há quem diga que Bolsonaro será preso depois de deixar a Presidência em 2023.
Não há como ter certeza de que vai perder: a população, inclusive, pode ler a
impunidade de Bolsonaro como atestado de que ele não fez nada demais.
O
adiamento da prisão de Bolsonaro causou as
mortes da segunda onda. Quantos ainda vão morrer por um novo adiamento?
Além disso, adiar a prisão para depois da derrota de Bolsonaro torna uma nova
ofensiva golpista praticamente inevitável: se Bolsonaro souber que a derrota
significa cadeia, terá todo incentivo do mundo para melar o jogo.
É politicamente inviável, e talvez seja errado, tentar prender todos os que, em
algum momento, evitaram que Bolsonaro fosse preso. Mas é preciso que haja um
limite, um ponto a partir do qual quem não deixar prender tem que ser preso.
Proponho que seja agora.
*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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