Suicídio
político
Se
faltava pouco para que Ernesto Araújo perdesse o Ministério das Relações
Exteriores, agora não falta quase nada. É uma questão de horas ou de poucos
dias. Foi ele mesmo que precipitou sua queda ao atacar, ontem, nas redes
sociais, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), e por tabela os demais senadores.
Não
foi um tiro no pé dado por um diplomata que nunca teve a menor importância até
ser descoberto por Jair Bolsonaro, que antes de se eleger presidente, era um
deputado federal do baixo clero a quem ninguém dava ouvidos – daí a afinidade
entre os dois. Foi um tiro que Araújo deu na própria cabeça.
Bolsonaro nada disse até ir dormir ou encarar a insônia no closet com roupas, bolsas e sapatos da sua mulher, Michelle, a ocupar-se em receber e em responder mensagens por meio do celular. É seu costume. Mais de uma vez, já admitiu que a presidência é um emprego que não deseja a ninguém. Poderia abreviá-la.
Mas
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, disse poucas e boas a respeito
de Araújo. “Recebi com indignação e perplexidade a manifestação, no mínimo,
leviana feita pelo ministro Ernesto Araújo sobre a senadora Kátia Abreu”,
observou. “Merece meu repúdio. Foi um ataque a todo o Senado”.
E
foi além, depois de saber que Kátia respondeu a Araújo chamando-o de marginal:
“A política externa do Brasil não está boa. Está capenga. Precisa melhorar
muito. Isso eu disse ao presidente Jair Bolsonaro. A inviabilização do ministro
Ernesto Araújo está se dando por ele mesmo”. Não está se dando. Deu-se.
Kátia
foi recém-eleita presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
Araújo acusou-a de pressioná-lo a favorecer a China na competição com os
Estados Unidos pela implantação do modelo 5G no Brasil. É um negócio de bilhões
de dólares que está a cargo do Ministério das Comunicações.
Segundo
Araújo, Kátia lhe teria dito durante almoço no último dia 4 no Itamaraty:
“Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.”
Araújo escreveu em sua conta no Twitter que não fez “gesto algum”. A senadora
desmentiu Araújo em termos duros. Havia 20 pessoas no almoço.
Em
mensagem no WhatsApp, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo, ficou
do lado de Kátia e escreveu que há “uma linha que não pode ser ultrapassada”,
completando: “Não é bom para o governo e não é bom para o país”. Líder do
Centrão, Ciro Nogueira (PI) , presidente do PP, declarou:
–
No momento em que há um grande esforço para a pacificação e o entendimento,
lamento muito que justamente o responsável pela nossa diplomacia venha a criar
mais um contencioso político para as instituições. O Brasil e o povo brasileiro
não merecem isso.
Nem
mesmo senadores bolsonaristas saíram em defesa de Araújo, que convocou para
hoje uma reunião com seus principais assessores. Pedirá demissão para escapar
de ser demitido por Bolsonaro? Aguardará ser demitido? Ou tentará negociar a
nomeação para alguma embaixada como prêmio de consolação?
Bolsonaro
está fadado a perder de uma só vez dois dos expoentes da ala mais ideológica do
seu governo. Além de Araújo, está de malas prontas para sair o assessor de
política internacional do presidente, Filipe Martins. Em sessão recente no
Senado, ele fez um gesto que é marca dos supremacistas brancos americanos.
Lula
vem aí pelo centro e com um pé na direita
Venham
todos a mim, que irei atrás de todos
No
dia seguinte à sua eleição em outubro de 2002, Lula reuniu o estado maior de
sua campanha em um hotel do bairro dos Jardins, em São Paulo, e foi logo
avisando:
–
Nesta mesa, somente eu e José de Alencar fomos votados, não se
esqueçam disso.
Em
seguida, disse que haveria lugar para todos no governo, mas que só trataria
disso na hora oportuna.
Empossado,
em uma das primeiras reuniões ministeriais, queixou-se:
–
Toda vez que decido pela esquerda, eu me ferro.
Entre
os presentes na reunião feita por ele na semana passada em São Paulo com
deputados federais e senadores do PT, houve quem se lembrasse dos dois
episódios ao ouvi-lo dizer que não se pode falar em frente ampla de partidos
sem incluir o centro e a direita.
A
ser candidato à sucessão do presidente Jair Bolsonaro no ano que vem, Lula só o
fará se conseguir atrair sólidos apoios de partidos do centro e de fatias da
direita. Quanto mais, melhor. Tudo isso em nome da reconciliação do país.
Venham todos a mim com a certeza de que os acolherei – e pau em Bolsonaro sem dó nem piedade. Será mais ou menos assim.
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