segunda-feira, 29 de março de 2021

Antônio Gois - O desmonte do IBGE e do Inep

- O Globo

Nos últimos dias, além da tragédia com o aumento de mortes por Covid-19, vimos duas das mais respeitadas instituições da República sofrerem duros golpes: o IBGE e o Inep. Ambas prestam, através de seus reconhecidos corpos técnicos, um serviço essencial para o melhor planejamento de políticas públicas sociais no Brasil.

O ataque ao IBGE veio na decisão do Congresso Nacional de cortar o orçamento do Instituto em mais de 90%, inviabilizando, caso não seja revertido, a realização do Censo Demográfico neste ano. Vale lembrar que o levantamento decenal – o mais importante e extenso feito pelo instituto - já está defasado, pois deveria ter sido feito no ano passado, mas foi adiado por causa da pandemia. Apenas para ficar num exemplo educacional, sem o Censo, informações vitais como o número de crianças em cada município sem acesso a creches ou escolas no país deixam de ser aferidas de forma precisa. 

O mais grave é que isso gera um efeito cascata em todas as demais pesquisas amostrais que, nos intervalos dos Censos, procuram estimar, a partir da base populacional fornecida pelo IBGE, as condições de vida da população. A cada ano em que deixamos de realizar a pesquisa, aumentam as chances, por exemplo, de transferências de recursos federais na educação estarem deixando de chegar como deveriam a crianças e jovens que mais precisam deles, prejudicando a eficiência e eficácia das políticas públicas.

Como lembraram em carta oito ex-presidentes do IBGE, como o último Censo ocorreu em 2010, “o Brasil se junta ao Haiti, Afeganistão, Congo, Líbia e outros estados falidos ou em guerra que estão há mais de 11 anos sem informação estatística adequada para apoiar suas políticas econômicas e sociais.”

No caso do Inep, principal órgão de pesquisas e avaliações educacionais do país, o ataque é não apenas orçamentário, mas, principalmente, ideológico. E vem acontecendo desde o início do governo Bolsonaro. Em pouco mais de dois anos, quatro presidentes já passaram pelo órgão e vários nomes sem o menor conhecimento técnico sobre avaliação educacional foram colocados em cargos importantes. 

O caso mais emblemático é da Diretoria de Avaliação da Educação Básica, responsável pelo Enem, ocupada hoje por um coronel aviador que sucedeu no cargo um general da reserva, morto no início do ano por Covid-19. Diante de tantos desvarios, vamos perdendo a capacidade de indignação, mas a situação é tão absurda quanto seria colocar um pedagogo para cuidar da Diretoria de Obras Militares do Exército ou do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial da FAB.

O mais recente golpe no Inep foi revelado pela jornalista Renata Cafardo em sua coluna no Estadão, há dois domingos: um grupo técnico que havia sido criado para discutir a atualização do Ideb (principal indicador oficial da qualidade do ensino no país) foi dissolvido. Dele faziam parte técnicos do instituto e representantes do MEC, Conselho Nacional de Educação e secretarias estaduais e municipais. Os trabalhos agora serão coordenados pela secretaria-executiva do MEC. Os motivos da mudança não foram esclarecidos, mas a leitura no setor educacional é de que a atual cúpula do ministério quer esvaziar o Inep, pois vê em seu corpo técnico um obstáculo às mudanças que pretende impor. 

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