Petista
tenta conciliar tom moderado com críticas agressivas a Bolsonaro
No
longo discurso na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi possível ver o
Luiz Inácio Lula da Silva de 2002,
tentando recapturar parte do eleitorado de centro que perdeu, convivendo
com o líder radicalizado por derrotas políticas que se sucedem desde o início da
Lava Jato, em 2014.
Num
político convencional, essa ambiguidade no discurso seria receita para o
fracasso. Num ilusionista como Lula, pode funcionar.
O
radical delineou de forma muito clara que sua linha de ataque a Jair Bolsonaro
até a eleição de 2022 será
o binômio vacina e economia.
No
caso da crise de saúde, ele procurou se diferenciar do atual presidente apenas
pregando o bom-senso, o que é mais uma amostra de que o petista é um sujeito de
sorte.
Não é preciso fazer muito além de falar num púlpito borrifado de álcool em gel, defender máscaras e distanciamento social e, sobretudo, fazer uma ode à vacina para se diferenciar de Bolsonaro. “O Zé Gotinha não é de esquerda” foi uma das muitas frases de efeito.
O
tema tem apelo neste momento, mas provavelmente será suplantado nos próximos
meses pela questão econômica, e Lula já posiciona o discurso com relação a ela.
Habilmente,
conseguiu conectar esse assunto com a delicada questão do autoritarismo de
Bolsonaro. No PT, muitos avaliam que é perda de tempo explorar demais as
ameaças do presidente à democracia, que não tiram dele um único voto.
Lula
encontrou uma fórmula interessante de juntar as duas coisas, ao dizer que “este
povo não está precisando de armas, está precisando de emprego”.
Ou,
na mesma linha, quando afirmou que “o Brasil não é dele [Bolsonaro] e dos
milicianos, é de milhões de pessoas, e essas pessoas precisam de trabalho”.
Por
exemplo, quando o ex-presidente disse que quer conversar com empresários e
sindicalistas, o que traz a lembrança do Conselhão que criou quando estava no
Palácio do Planalto.
Sintomaticamente,
o petista criticou Bolsonaro por
só conversar com o “Louro da Havan” (Luciano Hang) e prometeu ser mais
aberto ao diálogo com o setor produtivo, embora tenha feito questão de rejeitar
o “Deus mercado”.
A
quem desconfia de suas intenções, fez um apelo, dizendo que ser radical não é o
oposto de ser moderado. “Não tenham medo de mim. Sou radical porque quero ir à
raiz do problema”.
Ficou
claro que sua estratégia é diferenciar esse seu radicalismo “benigno” da versão
ameaçadora representada por Bolsonaro.
Nisso,
o petista incluiu até uma certa reabilitação da “velha política”, cujo repúdio
foi tão central para o resultado eleitoral de 2018.
“Quero
conversar com a classe política. Eu gostaria que no Congresso só houvesse gente
boa, mas a gente tem de conversar com quem tá lá”, disse, provavelmente
lançando iscas ao centrão.
Não
foi ainda o “Lula paz e amor” de tempos mais felizes para o PT, embora ele
tenha feito questão de repetir que não tem ódio no coração e está de bem com a
vida.
Sobre
a Lava Jato, indicou que a considera um capítulo encerrado em sua vida, embora
suas pendências judiciais estejam longe de acabar e ele tenha dito de forma
equivocada que
o ministro Edson Fachin, do STF, o absolveu.
Em
1h30 min de discurso exaltado, Lula parece ter fechado um círculo. Em abril de
2018, horas antes de ser preso pela Polícia Federal, ele fez um discurso
na frente deste mesmo sindicato, em que disse, num trecho que ficou famoso,
ter se transformado em uma “ideia”.
“Todos
vocês, daqui pra frente, vão virar Lula e vão andar por este país fazendo o que
vocês têm que fazer e é todo dia”, afirmou, à multidão, na ocasião.
Agora
que é um homem sem condenações, o ex-presidente voltou a misturar sua biografia
com a luta do povo, na melhor tradição do personalismo messiânico de esquerda.
Funcionou em 2002, quando ele colocou um empresário como vice e um expoente do agronegócio no ministério, e ainda assim manteve o apoio da CUT e do MST. A dúvida é se a mágica funcionará novamente no Brasil de 20 anos depois.
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