Política
não é coisa para amador
Maior
passagem de recibo não poderia haver do que Bolsonaro, poucas horas depois da
fala de Lula ao país, aparecer de máscara, defender a vacinação e dizer que seu
governo fez o que pôde e até o que não parecia possível para barrar a livre
circulação da Covid.
Era
a tal da nova postura do presidente anunciada nas redes por sites de grande
audiência. É verdade que ele abandonou a máscara logo após sair de cena. Mas
seus auxiliares estavam exultantes, Bolsonaro, afinal, se rendera aos seus
conselhos.
Que
nada. Poucas horas mais tarde, em entrevista à CNN Brasil, o Bolsonaro de sempre reapareceu para outra
vez atacar as medidas de isolamento social e culpar os governadores,
principalmente os do PT, pelos danos que isso causa à economia.
E que dia ele escolheu para proceder assim. De manhã, havia sido chamado por Lula de “fanfarrão”, de irresponsável no enfrentamento da pandemia, e de presidente que destruiu o meio ambiente, a educação, a saúde e o futuro de brasileiros.
À
tarde, após a patuscada de se apresentar como o pai das vacinas, provocou um
rombo no Orçamento da União ao ceder à retirada da PEC Emergencial de
dispositivos que impediriam progressões e promoções de carreira de servidores e
agentes públicos.
Paulo
Guedes, ministro da Economia, perdeu mais uma batalha. Com a medida, mesmo em
casos de emergência fiscal ou calamidade pública, todos os servidores seguirão
com o direito a avançar nas carreiras, aumentando assim seus salários.
À
noite, Bolsonaro soube que nas últimas 24 horas morreram infectadas pelo vírus
2.349 pessoas de um total de 270.917 até aqui. Novo recorde. Em poucos dias, o
país alcançará o dobro do número de mortos pela bomba atômica em Hiroshima (138
mil).
De
nada valeu o esforço feito pelos filhos dele para defendê-lo nas redes ao longo
do dia. Flávio, o Zero Um, pediu aos seus seguidores que viralizassem a foto de
Bolsonaro usando máscara. Carlos, o Zero Dois, escreveu que o pai nunca foi
contra a vacina.
Eduardo,
o Zero Três, de volta de Israel onde esteve à procura do spray nasal milagroso
capaz de matar o vírus, chamou de “mequetrefe” a imprensa que cobra o uso de
máscara, e declarou: “Enfia no rabo, gente, porra. A gente está trabalhando,
ralando”.
Política
não admite espaço vago. Se tiver, vem alguém e o ocupa. Estava vago o lugar de
opositor número um de Bolsonaro. Uma vez livre da condição de ficha suja, Lula
apareceu e o ocupou. Pesquisas de intenção de voto dão os dois empatados.
Vantagem
para Lula, portanto, que já pôs Bolsonaro a dançar miudinho. Com duas horas de
pronunciamento ao vivo para todo o país, apoderou-se da bandeira da vacinação e
aplicou poderosas chibatadas nas costas de Bolsonaro por seu desprezo à vida
alheia.
Não
existe no Direito a figura do juízo natural, aquele de fato adequado para o
julgamento de determinada causa? Por tudo o que disse ontem, Lula se credenciou
a ser o juiz natural de Bolsonaro que se elegeu presidente enquanto ele
estava preso.
Em
1989, candidato a presidente, Lula vestiu a fantasia do ex-líder sindical
enfezado que daria um calote na dívida externa caso se elegesse. Em 2002,
quando foi eleito, desfilou com a fantasia do Lulinha paz e amor que só queria
o bem de todo mundo.
A
fantasia de Lula para o embate de 2022 será tecida aos poucos e sofrerá ajustes
até lá. Dela, forneceu algumas pistas – acenou para as forças do
centro-direita, prometeu reabilitar a política e sugeriu que é menos venenosa a
jararaca que ele foi um dia.
Mal
pôs a língua de fora, tirou Bolsonaro da sua zona de conforto, obrigou-o a
respondê-lo, o que ele não deveria ter feito, e a pular como uma rã viva que
começa a ser cozinhada. Política não é coisa para amador nem para quem deve o
mandato a um acidente.
Só
para irritar Bolsonaro...
O
presidente Jair Bolsonaro ou foi dormir enfurecido ou deve ter acordado
enfurecido com a entrevista do seu vice, o general Hamilton Mourão, à Folha de
S. Paulo, publicada hoje.
A
sensatez não é uma virtude que agrade Bolsonaro, salvo se ela o beneficiar. E
nada o beneficia a sensatez de Mourão quando diz que caso Lula se eleja em 2022
não haverá ruptura institucional.
“É aquela história: o povo é soberano. Se o
povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil”,
comentou Mourão. Mas não ficou só por aí.
Admitiu
que faltou uma campanha dos governos federal e estaduais para conscientizar a
população no combate à Covid-19. E que a disputa entre Bolsonaro e João Doria
só atrapalhou:
–
Essa pandemia foi usada politicamente tanto pelo nosso lado quanto pelas
oposições. Esse uso político é péssimo.
Mourão
defendeu a atuação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general do Exército,
mas disse que, de vez em quando, “puxa” sua orelha e o aconselha a fazer mais e
a falar menos.
Hoje será dia de azedume no Palácio do Planalto.
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