Depois
de dois anos ouvindo Bolsonaro, qualquer um que lhe fizesse frente se
destacaria com louvor. Mas ex-presidente foi mais longe
10/03/2021
- 18:15 / Atualizado 18:29
Retire
os excessos de retórica e as figuras de linguagem, sublime os trechos
destinados ao público interno e à militância. Ignore os erros involuntários e
mesmo os estudados. Esqueça o tom de campanha. O resultado será um discurso
grande, importante. Lula voltou com tudo. É verdade que o ex-presidente foi
beneficiado pela torpeza e pela ignorância do seu oposto.
Depois
de dois anos ouvindo Bolsonaro, qualquer um que lhe fizesse frente se
destacaria com louvor. Mas Lula foi mais longe. Falou de política, economia,
saúde; conversou com os brasileiros nos seus termos; mostrou que está pronto
para negociar em todos os âmbitos; e apontou quem é o seu inimigo.
Isso,
sem texto pronto, sem teleprompter, apenas com uma lista de tópicos em sua
frente.
Com a mesma empatia de sempre, mas sério, sem se permitir às gracinhas habituais de seus discursos, Lula se posicionou de maneira inequívoca como uma opção para o Brasil e os brasileiros. Os diversos pontos do discurso, mesmo os que não pareciam apontar na mesma direção, tinham Bolsonaro como alvo. Mas sempre com postura presidencial.
Ao
lembrar que a terra é redonda ou ao criticar a política de liberação de armas,
o tom foi de compromisso, não de chacota. Mesmo ao defender uma política
econômica não liberal, dizendo que o governo não tem ministro da Economia, o
ex-presidente queria mesmo era mostrar seu apoio à política de distribuição de
renda através do salário emergencial, substituto provisório do seu Bolsa
Família.
A
insistência ao tratar do coronavírus também tinha endereço. E o destinatário do
Palácio do Planalto recebeu a mensagem no mesmo dia, se apresentando logo em
seguida para falar sobre a vacinação e, incrível, usando máscara.
Aos
brasileiros, Lula falou da fome, do preço da gasolina, da picanha na mesa do
trabalhador, do seu eterno objetivo de chegar à raiz dos problemas nacionais
por querer um mundo mais justo. Retórica, claro, mas que toca no coração das
pessoas. Se Bolsonaro consegue acertar o estômago dos brasileiros com suas
grosserias, Lula busca o coração com suas sutilezas. E é isso o que o distingue
do outro.
Negociação
com o Congresso, com toda a classe política, nas suas palavras, e com os
empresários é aceno do Lulinha, Paz e Amor. O mesmo que disse não guardar
mágoas, apesar das chibatadas que levou.
Os
claros exageros, como a afirmação de que Marisa, sua mulher, morreu por causa
da Lava Jato, serviram apenas para ele reiterar que apesar de tudo não tem
mágoas. Porque, disse, não há espaço nem tempo para guardar ódio. Mesmo quando
atacou injustamente jornais e jornalistas, ofereceu um afago ao defender a
liberdade de imprensa e ao elogiar a edição de ontem do Jornal Nacional.
Aliás,
uma frase do discurso explica o morde e assopra de Lula com relação à imprensa.
“A
gente começa a gostar da vida quando está mais perto do céu”, disse o
ex-presidente.
Pois
Lula esteve muito perto do inferno, quando aliados seus, do seu partido e dos
que o apoiavam, saquearam em conjunto a Petrobras. Também quando seu governo
foi denunciado por pagar por apoio de partidos com dinheiro público, o famoso
mensalão. Ou quando sua sucessora, Dilma Rousseff, quase quebrou o país. Ou
ainda quando um apartamento e um sítio foram estruturados por empreiteiras para
atender o gosto da sua família.
Nestes
momentos em que esteve bem próximo do fogo eterno, Lula não gostava dos jornais
e muito menos do JN.
Mas mesmo esse desvio pode rapidamente virar passado na retórica política de Lula. O que não mudou e não vai mudar, é a grandeza do seu discurso. Lula sabe com quem fala, sabe bem o que quer falar e sabe melhor ainda como falar. Bolsonaro não está mais só.
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