10/03/2021
• 15:25
Não
vi “paz e amor”. E nem me pareceu que fosse essa a intenção. Seria falso. Um
sujeito, depois de mais de quinhentos dias de cana, cujo algoz – um juiz –
decompõe-se em (justa) suspeição quer é guerra. Mas sem pressa; e de paletó,
camisa impecavelmente passada. Sem pressa para se declarar candidato; antes –
senhor do tempo – à frente do projeto que difundirá a sua inocência. Inocente
não é; mas inocente será o que julgado por um acusador. Não havia “paz e amor”.
Havia essa verdade; a de Gilmar Mendes: a de que corrupção nenhuma pode ser
condenada com corrupção. Errado não está.
Esse
foi o palanque – armado na altitude de quem conversa com o Papa – desde o qual
falou Lula. Uma aula de discurso político – admita-se. (E seria aula mesmo se
estivesse o sarrafo lá no alto.) Construção de profissional a serviço de rara
capacidade de farejar para onde os ventos pandêmicos levam as demandas da
sociedade. Articulação retórica de mestre para, se quiserem mesmo estabelecer o
debate na cancha da polarização, aceitá-la nas bases que ditou: ele sendo o que
usa máscara, prega distanciamento social e defende vacinação em massa.
Radicalmente.
Com
cálculo de provocador: se Bolsonaro, o capitão, investe em facilitar o comércio
– sem fiscalização – de armas, Lula será o preocupado com o sucateamento das
Forças Armadas.
Aula
– e aqui fala Carlos Andreazza, jamais um esquerdista.
Para que fiquem claros os termos em que topa polarizar com o presidente: Lula associou Bolsonaro – com ênfase – às milícias. Será assim doravante. O discurso: não pode admitir que o país que governou – que fez respeitado no mundo – ora vá nas mãos de um miliciano.
Nem
tudo foi verdadeiro, porém. Mentiu um lote – disparou números como nem Ciro
Gomes. (As agência de checagem cortarão um dobrado.) E foi especialmente duro
vê-lo falar sobre uma bem-sucedida gestão petista na Petrobras, como se não
houvesse, entre esses gestores, Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Nestor
Cerveró – como se não houvesse, apenas como um exemplo, a barbaridade chamada
Pasadena.
É
um fato que a petroleira foi pilhada durante os governos do PT – fato também
sendo que, como empresa, em função das escolhas lulopetistas para sua
administração, quebrou. E a esse prejuízo – bilionário – não se referiu;
pancada que ceifou empregos.
Mas
aqui se analisa o discurso e só discurso; sendo fato também que a Petrobras de
Lula – aquela onipresente, indutora maior da economia – simboliza um projeto de
Brasil; de Brasil grande, independente, autossuficiente. (Que exportava óleo; e
que, por isso, jamais poderia ser refém do dólar. O que fizeram
com
essa nação para que se achatasse assim?) O Brasil de Lula – em que havia
fábrica da Ford e onde quatro milhões de carros eram vendidos por ano –
comunica. Alcança. Mobiliza. Atrai.
É
um fato que a Petrobras de Lula – apesar da corrupção que abrigou profundamente
– mobiliza memórias. Boas. A estatal que se expandia, quase uma casa moeda,
distribuindo riquezas e gerando oportunidades – e não apenas, atenção, aos
pobres. O ex-presidente jogou várias iscas. Quer ouvir os empresários – diz.
Quer mesmo é lembrá-los de que foram felizes com ele; naquele Brasil-Petrobras
que fabricava navios-sonda e multiplicava postos de trabalho (e propinas). Quer
conversar com os políticos – com o Centrão. Quer de todos – e também dos
mercados – compreender (como se Dilma Rousseff não tivesse existido) por que se
foram associar ao liberal-bolsonarismo. Quer mesmo é fazer ver a todos que
foram muito felizes com ele; e sem (promessas de) privatizações.
Um
projeto de Brasil. Foi com isto que o ex-presidente jogou em seu primeiro
pronunciamento – a aula – após reaver os direitos políticos: ele tem um projeto
de Brasil. Goste-se ou não, Lula tem um. Em resumo: um país miserável como o
Brasil não pode prescindir da mão forte do Estado. Simples e poderoso; tanto
mais em meio a uma pandemia de efeito depauperante sobre os mais pobres.
É
para onde o vento varrido pela peste levou o desejo da sociedade: para um lugar
– espaço natural a Lula, que joga em casa – em que o governo injete dinheiros
emergenciais na economia de modo a que o povo empobrecido sobreviva à falta de
empregos, circunstância agravada pela incompetência-insensibilidade de
Bolsonaro/Guedes.
Esse foi o discurso. O recado. Mais claro impossível. Lula – sangue nos olhos – desdobrar-se-á daí. Vem para a guerra – ou não seria um miliciano o seu adversário. E vem gigante. A caneta, porém, está com o outro. Que reagirá – acelerando o populismo que já vai em curso – com um derramamento de Estado. Precisa amarrar o Centrão, cujo preço subiu pela hora do almoço.
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