quinta-feira, 11 de março de 2021

Vinicius Torres Freire – O risco de 400 mil mortes no dia das Mães

- Folha de S. Paulo

Dados mostram total descontrole da epidemia, que precisa de um governo de emergência na saúde

As UTIs dos hospitais da prefeitura de São Paulo vão lotar em cerca de duas semanas caso o número de pessoas internadas por Covid-19 continue a crescer como nos últimos sete dias. Isso se a cidade dispuser de novo do número máximo de leitos que já teve, 1.290, entre outubro de novembro do ano passado. A cidade ainda acha que pode chegar a 1.400 camas para atender a esses doentes muito graves. Então, no ritmo atual, a lotação ocorreria em 18 dias, três semanas, no máximo.

Quanto tempo levaria para conter esta onda, reduzir o morticínio nacional pelo menos ao nível de horror de um mês atrás (mil mortos por dia)? Estamos com mais de 1.500 por dia, na média móvel de sete dias, mais de 2 mil nesta semana. Não é comparação tecnicamente correta, mas países europeus levaram de um a dois meses para reduzir o morticínio do pico à metade, alguns com o auxílio de vacinação em massa, como o Reino Unido.

Em Israel, o número de mortos por milhão era de 7,4 por dia (a mesma do Brasil de agora) quando já vacinara mais de 30% da população, em 25 de janeiro. Agora, a taxa de mortes israelense está perto de 2 por dia, por milhão, com mais de 57% vacinados.

Com sorte, o Brasil terá 30% de vacinados lá por fins de maio. De resto, as medidas de restrição de contatos, de distanciamento, serão menos rigorosas que as europeias.

Nesta quarta-feira (10), Eduardo Pazuello, o capacho de Jair Bolsonaro que ocupa o almoxarifado da Saúde, disse que o número de doses de vacina a serem entregues em março pode ser menor do que se previa no final da semana passada (30 milhões), quando já se rebaixara a expectativa de vacinação.

“Temos garantidas para março entre 22 e 25 milhões de doses, podendo chegar até 38 milhões de doses. São números realmente impactantes e que vão fazer a diferença na nossa campanha de vacinação”, disse Pesadello, um dos generais do Exército da morte de Bolsonaro.

Como se escrevera nestas colunas, não é certo que Butantan e Fiocruz consigam entregar as doses que o governo federal colocou no calendário de março, embora ainda tentem fazê-lo. Vacinas importadas prontas podem não chegar, como tem sido o caso quase rotineiro desde o início do ano.

Menos vacinas, mais mortes, mais lotação de UTIs, mais restrições à circulação, menos atividade econômica e mais risco geral de afundamento do país. Onde está o governo de salvação nacional, alguma espécie de regência provisória que substitua no que for possível o comitê inepto da morte do capitão Bolsonaro, seus generais e seus coronéis? No que diz respeito ao governo da federação, o país está largado à própria sorte.

Governadores se movimentam, mas não há reação forte, ultimatos, decisões do Congresso, uma frente de emergência contra a morte. Em países derrotados na guerra ou indignados com o horror da mortandade, não raro há revoluções ou revoltas, dos Estados Unidos do conflito vietnamita às insurreições europeias do fim da Primeira Guerra, para citar uns poucos exemplos cediços. O Brasil derrotado pelo exército de Bolsonaro vai para o abatedouro quase sem reação política.

O fato de haver alguma oposição faz alguma diferença. João Doria fez com que o país tivesse alguma vacina e levou Bolsonaro a se mover. Um mero discurso de Lula da Silva fez o capitão da morte usar máscara em público e falar de vacinas. Mas é terrivelmente pouco. Não temos mais remédio para evitar os 300 mil mortos da Páscoa. Corremos o risco de contar 400 mil mortos no dia das Mães.

O país precisa começar uma revolta contra Bolsonaro.

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