Como
estava, a PEC 186 promovia uma super vinculação
O
governo perdeu ontem na votação de um dispositivo da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 186, aquele que trata da proibição de vinculação das receitas públicas a
órgão, fundo ou despesa. A derrota, no entanto, pode ter sido um alívio para o
ministro da Economia, Paulo Guedes. A derrubada evita um engessamento ainda
maior do Orçamento da União.
A
Câmara dos Deputados já tinha aprovado, em primeiro turno, a PEC que veio do
Senado e votava as emendas destacadas. Da forma como estava redigido, o texto
promoveria uma super vinculação de receitas, na contramão da defesa que o ministro
Guedes vem fazendo, desde que tomou posse no cargo.
Uma
das emendas destacadas, apresentada pelo líder do PDT, Wolney Queiroz (PE),
eliminava a mudança no inciso IV do artigo 167 da Constituição, que trata da
proibição de vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa. A
desvinculação da receita a despesas orçamentárias é um dos 3 D da estratégia de
Guedes. Os outros dois são a desindexação e a desobrigação do gasto.
Atualmente, o inciso IV do artigo 167 da Constituição veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. E ressalva a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino.
Ressalva
também a destinação para a realização de atividades da administração
tributária, que beneficia a Receita Federal, a prestação de garantias às
operações de créditos por antecipação de receita e para prestação de garantia e
contragarantia à União para o pagamento de débitos, além das transferências por
repartição de receitas para Estados e municípios.
Guedes
queria eliminar, principalmente, a vinculação de recursos para saúde e
educação. Na primeira versão de seu substitutivo, o senador Márcio Bittar
(MDB-AC), relator da PEC 186 no Senado, atendeu ao ministro e acabou com essa
vinculação. A forte reação da opinião pública obrigou Bittar a retroceder.
O
relator, no entanto, ampliou substancialmente as ressalvas à proibição de
vinculação de receitas. Em seu parecer ele permitiu vincular as receitas
oriundas da arrecadação de taxas, doações, de atividades de fornecimento de
bens ou serviços facultativos e na exploração econômica do patrimônio próprio
dos órgãos e entidades da administração, remunerados por preço público, bem
como o produto da aplicação financeira desses recursos, transferências
recebidas para o atendimento de finalidades determinadas e as receitas de
capital.
Nada
disso está no atual texto constitucional. “A Constituição só trata de
vinculação de impostos e de contribuições sociais”, explicou o ex-secretário da
Receita Federal, Everardo Maciel, em conversa com o Valor. “A vinculação das
receitas oriundas de taxas e de atividades da administração remuneradas por
preços públicos é matéria de lei. Assim, ao levar para a Constituição, em vez
de desvincular, a PEC vinculou”, disse.
Quando
os senadores perceberam a ampliação feita por Bittar, apresentaram suas
reivindicações. Assim, a PEC 186 aprovada pelo Senado passou a ressalvar as
vinculações de receitas para o Fundo Nacional de Segurança Pública, o Fundo
Penitenciário Nacional, o Fundo Nacional Antidrogas, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o Fundo de Defesa da Economia
Cafeeira, o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da
Polícia Federal, o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente, o Fundo
Nacional da Cultura e para manter os programas de financiamento a estudantes de
cursos superiores não gratuitos.
Além
disso, a PEC permitiria a vinculação de receitas “de interesse à defesa
nacional e as destinadas à atuação das Forças Armadas”. Este comando abriria
possibilidades de numerosas novas vinculações de receita, principalmente porque
ele foi redigido de forma genérica, sem especificações mínimas de sua
amplitude.
Durante
a tramitação da PEC na Câmara, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), disse aos
repórteres Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, do Valor, que recebeu mensagens de
ministros tentando criar exceções ao texto. “Recebi mensagem da ministra
Damares Alves (ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) para
retirar o fundo dos idosos (da proibição de vinculação de receita)”, informou o
parlamentar.
Mesmo
aceitando todas as ressalvas à proibição de vinculação em seu substitutivo,
Bittar excluiu da relação os recursos para a realização de atividades da
administração tributária, ou seja, aquele que beneficia atualmente a Receita
Federal. Isso revoltou os servidores da Receita, que ameaçavam entregar os
cargos comissionados que ocupam e realizar uma paralisação dos serviços.
Quando
foi colocado o destaque apresentado pelo PDT, todos aqueles que desejavam mudar
o texto sobre vinculação de receita, uniram-se. A Câmara dos Deputados aprovou
o destaque por apenas seis votos: 302 deputados votaram contra a proposta
pedetista, quando eram necessários 308.
Guedes
ficou sem a desvinculação das receitas, mas evitou o pior: uma super
vinculação. De sua estratégia dos 3 D, o ministro da Economia já tinha perdido
a desindexação (não correção por um índice de inflação) do salário mínimo, dos
benefícios previdenciários e assistenciais. Essa proposta foi vetada pelo
próprio presidente Jair Bolsonaro. O secretário especial de Fazenda do
Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, quase perdeu o cargo ao defender a
desindexação, em nome de seu chefe imediato.
A PEC 186 aumentou também aquilo que Guedes queria diminuir, que são os comandos constitucionais obrigando o governo a realizar despesas. A desoneração da cesta básica passou a ser uma obrigação constitucional. O ministro da economia queria substituir esse benefício por outro que chegasse melhor a quem necessita. Não poderá mais. Assim, com a aprovação da PEC 186, a estratégia dos 3 D de Guedes foi definitivamente arquivada.
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