quinta-feira, 11 de março de 2021

Míriam Leitão - Acertos políticos, erros econômicos

- O Globo

O ex-presidente Lula acertou muito mais do que errou na longa exposição de ontem. Os acertos foram no ponto principal: combate à pandemia, respeito à ciência e às regras sanitárias, estímulo a que todos se vacinem. Lula defendeu que a estratégia correta a ser adotada pelo governo era ter um gabinete de crise, em reunião constante, em visita aos hospitais, em contato com a população. Essa é a grande emergência da hora e ao falar ele deixou claro a grande falha do presidente Bolsonaro, que errou durante um ano na pandemia e, ontem, mesmo se rendendo à máscara, ainda defendeu a cloroquina.

Como a fala inicial foi longa, a sessão de perguntas e respostas, também, o ex-presidente passeou por vários assuntos em duas horas e meia, mas voltava sempre ao fato de que o Brasil enfrenta a tragédia das mortes de “quase 270 mil brasileiros”.

Lula disse que não era hora de se dizer candidato. Contudo, aquele era um discurso de candidato. Ele avisou que sairá conversando com políticos, empresários, sociedade. Disse que se juntar o PT, PCdoB, PSOL é uma frente de esquerda, o que sempre foi feito, por isso defendeu o diálogo com outros grupos políticos, num claro aceno ao centro. Mas apenas isso, um aceno.

O maior acerto da entrevista foi focar na necessidade de combater a tragédia, na qual naufragamos neste momento, e com medidas sensatas. As críticas centradas em Bolsonaro foram a escolha óbvia, porque é o oponente que enfrentará nas urnas, se confirmar sua candidatura, e o presidente da República tem produzido um vasto material de crítica.

Havia muita estratégia em cada crítica que fez a Bolsonaro. Quando atacou a obsessão do presidente pela liberação de armas e disse que “quem precisa de armas são as Forças Armadas e não a sociedade, quem precisa de armas não é a milícia, mas a polícia”. Estava com isso fortalecendo as forças de segurança do Estado e não o “escancarar as armas”, como defendeu Bolsonaro em reunião presidencial. Depois, Lula voltou a defender as Forças Armadas equipadas e profissionais para a defesa do país.

Na economia, Lula defendeu o investimento puxado pelo Estado, coerente com proposta do partido, mas difícil no atual estado das finanças do país, cuja escalada de desorganização começou na nova matriz macroeconômica. Errou também quando falou da Petrobras. A capitalização da Petrobras foi uma manobra contábil bem engendrada, que permitiu que a estatal, em vez de receber dinheiro, entregasse R$ 30 bilhões ao Tesouro. A Petrobras investiu, cresceu e encontrou o pré-sal —os investimentos começaram antes do governo petista — mas ao mesmo tempo foi no governo do Partido dos Trabalhadores que houve o maior prejuízo da empresa, provocado exatamente pelo subsídio aos preços dos combustíveis, que ele voltou a defender ontem. Curioso que é exatamente essa política de preços controlados que Bolsonaro sonha em praticar na Petrobras.

Lula falou em mim. Ele já fez isso em outros discursos, estou acostumada. De novo, está errado. “Ela falava assim: é, descobriu o pré-sal, mas não pode explorar. Porque não tem tecnologia. E o preço do barril vai ser muito caro.” O que eu disse é que tinha muito trabalho pela frente, muito investimento em tecnologia e sim, inicialmente, era muito caro. O custo vem caindo desde então, ano após ano, governo após governo. No comentário econômico de um país tão intenso como o Brasil, ninguém vai acertar sempre. Mas o ex-presidente completou com uma frase ofensiva: “Falava isso com a maior desfaçatez.” Isso nunca. Sempre faço meu jornalismo com a maior seriedade.

O importante não foram os tiros a esmo que ele deu na prolongada fala, mas os acertos. O Brasil vive uma tragédia tão imensa de mortes nesta pandemia, mortes que têm sido “naturalizadas”, como alertou o ex-presidente, que esse precisa mesmo ser o ponto central. Seu pedido mais importante, porque salva vidas, é de que “não sigam nenhuma decisão imbecil do presidente da República, tomem vacina”. Avisou que, quando tomar, ele fará propaganda. Ótimo. Uma pessoa pública dá o exemplo. Quem no meio desta mortandade não usa máscara, estimula aglomeração, prescreve remédios de ineficácia comprovada, como tem feito Bolsonaro, está estimulando a morte.

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