Esquerda,
centro ou direita falam uma coisa e fazem o contrário diariamente.
A
mais de um ano das eleições presidenciais, tudo que se diga sobre seu desfecho
é temerário, todo prognóstico corre o risco de ser desmentido, com ou sem Lula
no páreo. Isso posto, afastada ao que parece a hipótese de impeachment, o
endosso da robusta minoria que ainda apoia Bolsonaro, se não derreter até lá,
bastará para levá-lo ao segundo turno.
Democratas
de esquerda, centro ou direita não se cansam de dizer que a ampla união de
forças será necessária em 2022 para impedir que ele se reeleja e, assim,
continue a destruir o país e a democracia a duras penas construída. Falam uma
coisa e fazem o contrário diariamente.
O
centro-direita e a direita não bolsonaristas se movem em torno de seus
possíveis candidatos, como se não existisse no país esquerda com enraizamento
social e expressão eleitoral consideráveis. Como se pudessem ganhar a
Presidência sem o seu apoio.
Já os líderes mais destacados da esquerda dedicam-se com afinco a se atacar uns aos outros —veja-se o tiroteio entre Ciro Gomes e Fernando Haddad. Enquanto isso, intelectuais progressistas gastam tinta para demonstrar que todos os economistas liberais, mesmo os mais críticos ao governo, se igualam a Paulo Guedes e que todos os possíveis candidatos da direita são bolsonaristas envergonhados, ainda que hoje façam oposição aberta ao ocupante do Planalto. Não custa lembrar que Lula e Dilma foram a segundo turno, quando venceram com o imprescindível apoio de forças que não se situam no campo da esquerda.
No fundo, uns e outros continuam a se movimentar em torno da linha divisória traçada em 2016, com a derrubada de Dilma Rousseff, que consolidou a polarização política e abriu espaço para a disparada do ex-capitão. Mas, então, a minoria de extrema direita existente na sociedade não tinha expressão política nacional. Agora tem um líder à altura do seu primitivismo e da sua brutalidade.
As
regras eleitorais incentivam a multiplicação de candidaturas no primeiro turno
das eleições presidenciais. Mas não limitam conversas prévias que aplainem o
caminho para entendimentos na rodada final nem impedem o trato civilizado entre
os concorrentes do campo democrático. Nada indica que isso esteja sendo buscado.
Cientistas
políticos estudam os chamados dilemas da ação coletiva, situações em que
pessoas ou organizações agindo em prol de seus interesses, sem a possibilidade
de coordenar seus atos, terminam por produzir desastres para si e para a
sociedade. A volta de Lula ao jogo político não afasta o risco de que as
próximas eleições venham a ser mais um episódio dessa história de final
infeliz.
*Maria Hermínia Tavares -professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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