Para enfrentar Lula e Bolsonaro, as lideranças precisam se organizar para construir, já, uma candidatura capaz de sensibilizar o eleitorado
Lula
da Silva e Jair Bolsonaro nunca desceram do palanque. O petista, nem quando
esteve preso; o presidente, nem diante de uma pilha de mortos. Logo, os dois
saem em considerável vantagem na disputa eleitoral de 2022, cuja campanha,
totalmente fora de hora, começou no exato instante em que saiu o resultado da
eleição de 2018.
Para
enfrentá-los – e evitar que o País tenha que encarar no mínimo mais quatro anos
de pesadelo –, as lideranças políticas, sociais e empresariais interessadas na
democracia precisam urgentemente se organizar para construir, já, uma
candidatura capaz de sensibilizar o eleitorado, em especial a parte –
seguramente majoritária – que está farta da briga de rua em que se transformou
a política brasileira nos últimos tempos.
Esse
objetivo, que nada tem de trivial, implica necessariamente que as forças do
centro democrático sejam capazes de deixar as vaidades de lado e costurar uma
candidatura única. No atual cenário, quando há quatro ou cinco possíveis
candidatos desse campo para disputar uma eleição, é porque não há nenhum.
Algo, contudo, parece ter se movido, especialmente depois que, por uma espantosa decisão judicial, o chefão petista Lula da Silva recuperou seus direitos políticos e deve ser candidato em 2022.
Em
entrevista ao Estado, o governador de São Paulo, João
Doria, que trabalha há tempos para se candidatar à Presidência pelo PSDB, disse
que “nada deve ser excluído”, ao ser questionado sobre a possibilidade de seu
partido apoiar um candidato de outra legenda. “Uma aliança pelo Brasil não pode
estabelecer prerrogativas de nomes”, declarou Doria. Para o governador, “o
fracionamento (de
candidaturas de centro) só atenderá ao interesse dos extremos”, e o
centro precisa de “juízo” – isto é, de “capacidade de dialogar, formular um
programa econômico e social para o Brasil e escolher um candidato que seja
competitivo para disputar a eleição e, ao vencer, governar a Nação”.
Outro
político que já manifestou desejo de ser candidato, o ex-ministro da Saúde Luiz
Henrique Mandetta, do DEM, foi na mesma linha do governador paulista quando
disse ao jornal Valor que acredita na possibilidade de que seja encontrado
ainda neste ano “o nome de quem vai levar a mensagem diferente das de Lula e de
Bolsonaro”. Para Mandetta, agora é a hora de construir uma candidatura
centrista “moderada” e “convergente”.
É
evidente que Mandetta, como Doria e outros, pretende ser o cabeça de chapa
dessa candidatura “convergente”, e é legítimo que acalente o projeto. Todos os
que se julgam capazes de tirar o Brasil da rota do desastre, por meio de
políticas públicas racionais e competentes, emanadas de um governo que respeite
as liberdades e as instituições, devem se apresentar para a tarefa
publicamente, o mais rápido possível.
Só
assim será possível começar a discutir a sério quem, desses diversos
postulantes, será o catalisador dos anseios dos brasileiros ajuizados, para
construir uma candidatura capaz de emocionar os eleitores cansados tanto da
corrupção antipolítica de Lula como da loucura antipolítica de Bolsonaro.
Aos
que, como o apresentador Luciano Huck, vacilam diante da pugna eleitoral – que
deverá ser especialmente feroz numa disputa que envolverá dois veteranos da
desfaçatez e da truculência, Lula e Bolsonaro –, resta rogar que anunciem sem
demora sua decisão, dizendo em voz alta o que pretendem para o País e
preparando o estômago para, se for o caso, enfrentar o vale-tudo dos palanques.
O
fato é que, a despeito das perspectivas sombrias, o País tem salvação – não
obviamente pelo messianismo dos populistas autoritários e oportunistas que
atormentam o Brasil há tempos, mas pelo respeito à lei, à coisa pública e à
racionalidade econômica.
Seja
quem for o candidato designado para enfrentar os arruaceiros da democracia,
deve ser um que aposte no Brasil ordeiro e pacífico, capaz de ser o País
civilizado e desenvolvido com o qual sempre sonhamos.
Vacinar
para crescer – Opinião / O Estado de S. Paulo
OCDE
recomenda vacinação e prevenção para retomada global segura e sustentável
Apressar a vacinação em todo o mundo, medida “fundamental” para uma recuperação segura e sustentável, é a primeira recomendação da OCDE, a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, em seu novo relatório sobre as perspectivas globais. “A velocidade é crucial”, disse o secretário-geral da entidade, Angel Gurría. “Não há margem para autocomplacência”, acrescentou. Para isso será necessário, segundo ele, melhorar a cooperação e a coordenação internacionais. A projeção de crescimento mundial em 2021 foi elevada de 4,2%, número divulgado em dezembro, para 5,6%. O avanço calculado para o Brasil passou de 2,6% para 3,7%. É uma estimativa mais otimista que a do mercado brasileiro: 3,26%, de acordo com a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central (BC) na segunda-feira passada.
Houve
acentuada melhora das perspectivas globais nos últimos meses, segundo o
relatório. A mudança é atribuída à distribuição gradual de vacinas, ao anúncio
de novas medidas fiscais de apoio econômico e a sinais de maior sucesso nas
ações contra o vírus. O estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão programado nos
Estados Unidos dará um forte impulso adicional à economia americana, com
crescimento agora estimado em 6,5%, e deverá também proporcionar benefícios a
seus principais parceiros comerciais.
Restrições
sanitárias são tratadas, no relatório, como políticas normais, ajustáveis de
acordo com o avanço no controle da pandemia. Por isso, os países com maior
sucesso no combate ao coronavírus poderão colher resultados econômicos mais
rapidamente. Em nenhum momento se defende o afrouxamento de medidas preventivas
para apressar a liberação das atividades econômicas. Os economistas da OCDE,
assim como seus colegas de outras instituições multilaterais e dos governos
mais bem-sucedidos, ficam longe das políticas defendidas pelo presidente Jair
Bolsonaro e por seus seguidores mais irresponsáveis.
A
retomada global, depois do impacto causado em 2020 pela covid-19, foi mais
rápida do que se previa. Até o meio deste ano a produção mundial deverá,
segundo o relatório, voltar ao nível pré-pandemia. Pelas contas da OCDE, o
Produto Mundial diminuiu 3,4% no ano passado. O ritmo de expansão previsto para
2021 (5,6%) deve recompor com alguma folga aquela perda. Esse resultado geral
deverá ser garantido pelo desempenho de alguns países, como China, Índia,
Estados Unidos, Coreia, Japão e Indonésia. Não será o caso dos países da zona
do euro nem do Brasil.
A
OCDE manteve, no caso brasileiro, uma estimativa de perda econômica de 4,4% em
2020. Mas o recuo foi de 4,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Mesmo com esse recuo, no entanto, será impossível o
retorno, em 2021, ao patamar pré-crise, se o PIB brasileiro crescer de acordo
com as projeções correntes. Com o resultado de 2020, o País saiu do grupo das
dez maiores economias. Com a recuperação lenta, a defasagem será maior em
relação aos países menos emperrados.
Para
prolongar e fortalecer a recuperação global, será preciso, segundo a OCDE,
manter políticas monetárias estimulantes, com juros baixos e crédito fácil, e
prolongar, ou retomar, os incentivos fiscais, com maiores gastos públicos,
linhas de auxílio emergencial e/ou redução da cobrança de tributos. As
políticas dependerão, naturalmente, das condições de cada país – do espaço
disponível em suas contas públicas, de seu endividamento, etc. Estímulos com
foco mais definido são recomendados para maior eficiência das políticas.
Recuperação
desigual entre setores, insegurança quanto à evolução da pandemia e surgimento
de pressões inflacionárias são alguns dos problemas destacados no relatório.
Todos esses problemas, pode-se acrescentar, são visíveis no Brasil. Sem entrar
nesse detalhe, o relatório fica longe, também, de outras particularidades
brasileiras, como a lentidão da política econômica, o desprezo do presidente à
prevenção sanitária, a prioridade por ele atribuída a seu interesse eleitoral e
seu desprezo à vida dos brasileiros.
A
crise do Ipea – Opinião / O Estado de S. Paulo
Pesquisadores do Ipea acusam o governo Bolsonaro de assédio institucional
No
final da semana passada, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) foram surpreendidos com um ofício enviado pelo presidente do
órgão, Carlos von Doellinger, com três informações. Em primeiro lugar, foram
advertidos de que, por envolverem “direitos patrimoniais” do órgão, seus
estudos e pesquisas só poderão ser divulgados após “aprovação definitiva” da
direção. Em segundo lugar, foram intimados a limitar sua “interação com os
órgãos de imprensa”. E, em terceiro lugar, foram lembrados de que, se
desrespeitarem essas determinações, incorrerão em “infração disciplinar” por
“descumprimento de dever ético”.
O
ofício foi enviado dois dias após o Ministério da Educação (MEC) ter
distribuído aos reitores das universidades federais um documento semelhante,
informando que “manifestações de desapreço ao governo” por professores e alunos
serão classificadas como “imoralidade administrativa” e estarão sujeitas a
sanções. Na mesma semana, um ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel) e o pró-reitor de Extensão e Cultura haviam assinado um Termo de
Ajustamento de Conduta, para encerrar um processo disciplinar aberto pela
Controladoria-Geral da União (CGU) sob a justificativa de apurar críticas que
fizeram ao modo como o presidente Jair Bolsonaro vem escolhendo reitores das
universidades federais.
Lembrando
que o ofício do MEC foi baseado no parecer jurídico de um procurador da
República simpatizante do presidente e que a investigação da CGU foi pedida por
um deputado bolsonarista, os pesquisadores do Ipea retrucaram que todas essas
iniciativas, juntamente com o ofício enviado por Doellinger, não decorrem de
mera coincidência. Em nota de protesto, disseram que o governo vem promovendo
“assédio institucional”. Alegaram que Doellinger não só afrontou direitos
assegurados pela Constituição, como também vem tentando converter o Ipea num
órgão chapa-branca, para favorecer os objetivos eleiçoeiros de Bolsonaro. E
classificaram como censura prévia a exigência de uma autorização da diretoria
para a publicação de pesquisas.
Não
“é de causar espanto que mais um passo em direção ao obscurantismo e ao
cerceamento ideológico esteja sendo dado nesse momento dentro do Ipea, um órgão
sabidamente responsável por produzir e disseminar, publicamente, estudos,
avaliações e pesquisas aplicadas às políticas públicas, visando subsidiar
decisões estratégicas, táticas e operacionais para o aperfeiçoamento
institucional do Estado e para a efetividade do desenvolvimento nacional”, diz
a nota, após lembrar que a credibilidade do órgão está em risco. Curiosamente,
o argumento da credibilidade também foi invocado por Doellinger, mas com sinal
trocado. Segundo ele, a divulgação de pesquisas sem autorização prévia
“fragiliza a imagem externa da instituição”.
Apesar
de ter sido criado no primeiro ano da ditadura militar com o objetivo de
auxiliar na formulação de projetos de desenvolvimento e de políticas públicas,
o Ipea sempre contou com um corpo técnico plural, em termos de pesquisas e
orientações doutrinárias. Seus pesquisadores tiveram, inclusive nos anos da
ditadura, ampla liberdade de pensamento e de opinião. Em razão do padrão de
excelência do Ipea e da qualidade de seu trabalho, nestes 57 anos, muitos
pesquisadores saíram de lá para assumir os Ministérios do Planejamento, Fazenda
e Trabalho, presidir o BNDES, o Banco do Brasil e a Petrobrás e dirigir o
Tesouro e o Banco Central, em diferentes governos.
Por
isso, os servidores do Ipea têm razão quando afirmam que, se o órgão hoje tem
credibilidade, isso é fruto da competência e da seriedade de seus
pesquisadores, cuja liberdade de atuação está sendo ameaçada. A exemplo do
ocorrido no MEC e na UFPel, a crise no Ipea deixa claro que o governo vem
desmontando as ilhas de excelência da administração pública. Por outro lado, o
desapreço de Bolsonaro pela liberdade de pensamento e opinião não é mera
retórica e tem efeitos tóxicos para o funcionamento da democracia.
A barafunda do STF – Opinião / Folha de S. Paulo
Com
sequência de decisões casuísticas, corte eleva incerteza sobre a Lava Jato
Com
a devida vênia, o termo do título define a atuação do Supremo Tribunal Federal
em relação à Lava Jato. Os casuísmos e heterodoxias com os quais a principal
corte do país lida com a operação, embora tenham longa história, atingem agora
novo patamar.
A
sequência de manobras da semana começou com uma bombástica
decisão do ministro Edson Fachin, que na segunda-feira (8) decretou a 13ª
Vara de Curitiba incompetente para julgar quatro processos envolvendo o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com
isso as condenações que pesavam contra o líder petista ficam anuladas, e ele
readquire seus direitos políticos, podendo concorrer à Presidência no ano que
vem.
A
medida de Fachin causa estranheza porque os advogados de Lula haviam
argumentado repetidas vezes ao longo de anos que Curitiba não era o foro
adequado para julgá-lo, e seus pleitos foram negados em várias instâncias da
Justiça, incluindo o Supremo.
Daí
ter surgido a leitura de que o magistrado tenha virado o jogo agora apenas para
tentar evitar que a Segunda Turma julgasse a suspeição do ex-juiz Sergio Moro
—o que não conseguiu.
Se
a liminar de Fachin atentou contra a ideia de estabilidade jurídica, tampouco
o juízo sobre a suspeição de Moro mereceu tratamento adequado. Relator do caso,
que tramita há dois anos, o ministro Gilmar Mendes, decidiu recolocá-lo em
julgamento justamente na terça (9) —e a sessão acabou paralisada por um pedido
de vistas de Kassio Nunes Marques.
Ao
fim e ao cabo, mais confusão. Sabe-se que por ora as condenações de Lula estão
anuladas; entretanto não está claro se por incompetência, suspeição ou ambas,
hipótese em que teríamos outro golpe contra a estabilidade jurídica, já que
ficariam abertas duas avenidas distintas para outros réus pleitearem nulidades.
O
alcance delas constitui outra discussão à qual o STF não pode se furtar. Se
Moro de fato mostrou-se suspeito devido a abusos e às relações indevidas com os
procuradores de Curitiba, a corrupção investigada pela Lava Jato foi real.
Os
casos em que juízes e procuradores tenham agido contra a lei devem obviamente
ser anulados, uma exigência básica do Estado de Direito. Mas é preciso cuidado
para não transformar os reparos necessários no célebre plano do ex-senador
Romero Jucá (MDB-RR) —”estancar essa sangria”, “com o Supremo, com tudo”.
Quanto
a Lula, todas as instâncias da Justiça farão bem em dar celeridade às decisões
que envolvem um candidato em potencial à Presidência que é réu em oito
processos, incluindo os dois resultantes em condenações ora anuladas.
Piora
da Covid gera pressão por saída do presidente Benítez, aliado de Bolsonaro
Elogiado
nos primeiros meses da pandemia pela gestão da crise sanitária, o Paraguai
mergulhou nos últimos dias em uma intensa crise política pelo mesmo motivo.
Desde
sexta (5), as ruas da capital, Assunção, têm sido tomadas por manifestantes
pedindo a renúncia
do presidente Mario Benítez, cujos bons resultados de outrora no
enfrentamento da doença transmudaram-se em fracasso.
Quando
os primeiros casos de Covid-19 surgiram no continente, em março de 2020, o país
fechou suas fronteiras e adotou um regime de quarentena que vigorou até o
início de outubro. Em junho, quando a América Latina se convertia no epicentro
da pandemia, o Paraguai registrava números baixos de infectados e mortos.
A
partir de janeiro, porém, as contaminações passaram a crescer em ritmo
acelerado, e há quase um mês a cifra diária de casos mantém-se acima de mil
—cerca de dez vezes o anotado no início da crise. Para piorar, na semana
passada, a variante brasileira do vírus, mais contagiosa, foi identificada lá
pela primeira vez.
Hoje
o Paraguai acumula cerca de 24,3 mil vítimas da doença por milhão de habitantes
e 485 óbitos por milhão —para efeito de comparação, a taxa brasileira é mais
que o dobro da paraguaia no primeiro caso, e o triplo no segundo.
Soma-se
à escalada da Covid a lotação de hospitais, a falta de insumos básicos e uma
desastrosa campanha de vacinação. Estima-se que, até agora, o país tenha
imunizado mero 0,1% dos cerca de 7 milhões de habitantes.
A
insurgência popular logo se converteu em crise política. Sob forte pressão,
Benítez, um
aliado de Jair Bolsonaro, promoveu uma reforma ministerial, mas os partidos
de oposição pedem um julgamento político —equivalente ao nosso impeachment, mas
em processo que pode ser mais rápido.
Não
à toa, o instrumento vem funcionando como uma permanente espada de Dâmocles
sobre a cabeça dos mandatários do país, e já ameaçou o próprio Benítez, acusado
de traição em 2019 por uma negociação com o Brasil relativa à energia elétrica
de Itaipu.
O
cenário é volátil, e o futuro do presidente, incerto. Embora seu partido domine
o Congresso, ele tem o apoio apenas de uma ala minoritária dos
correligionários.
A
certeza é que, em qualquer desfecho, a revolta da população paraguaia deixa um
recado eloquente para outros líderes da região.
Lula em plena campanha para voltar ao poder – Opinião / O Globo
Para
quem, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diz ser prematuro falar
em candidatura ou campanha eleitoral, só o fato de fazer o pronunciamento de
ontem na sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo já seria
uma contradição. A anulação dos processos da Lava-Jato contra ele era só
pretexto. Com a verve conhecida e o talento incomparável para o palanque, Lula
não fez outra coisa além de campanha durante as duas horas e meia em que ficou
diante do microfone.
Suas
contradições não se limitaram a agir como candidato ou a repetir a versão sem
pé nem cabeça que sempre manteve diante dos fatos apurados pela Operação
Lava-Jato, que desvendou suas relações promíscuas com os maiores empreiteiros
do país. Lula fez questão de repetir uma visão econômica que, quando não está
apenas defasada (ainda fala na produção de carros e petróleo, quando o mundo já
migra para a era de energia limpa), é simplesmente errada (espanta-se que
mercado financeiro o tema para, quase na mesma frase, criticar a autonomia do
Banco Central).
“Não
é possível permitir que o preço do combustível tenha que seguir o preço
internacional se nós não somos importadores de petróleo”, afirmou, num eco
quase literal de palavras do presidente Jair Bolsonaro. Demonstra a mesma incapacidade
de entender como funciona o mercado de combustíveis. No governo Dilma, o PT fez
aquilo que Bolsonaro não teve coragem de fazer: à moda da Venezuela, congelou
preços de derivados do petróleo, numa tentativa insensata de controlar a
inflação. Ao mesmo tempo, elevou as despesas públicas, na vã esperança de a
economia voltar a crescer. O resultado é conhecido: o país mergulhou numa
recessão brutal, Dilma sofreu impeachment por não cumprir regras fiscais, e até
hoje o Brasil não saiu do buraco.
Lula
continua o mesmo: um animal político hábil e lábil, capaz de adaptar suas
palavras ao ouvido do interlocutor e de manter a aura que encanta políticos de
diversos matizes (ontem houve até aceno a Rodrigo Maia) e ainda seduz
multidões. Também repete as mesmas ideias e propostas de sempre. O PT de volta
ao poder dificilmente desafiaria as corporações incrustadas no Estado ou faria
as privatizações e reformas necessárias para o Brasil avançar. Da última vez,
em lugar disso, deixou como herança a recessão, o buraco fiscal sem fundo e o
intervencionismo desastrado. Não há como esperar um programa diferente de quem
ainda afaga ditadores em países como Cuba e Venezuela.
Não
que Lula esteja errado em tudo. Entrou no palco de máscara, passou álcool nas
mãos e prestou solidariedade às vítimas do coronavírus. Defendeu a vacina,
lembrou a campanha bem-sucedida contra a gripe H1N1 em seu governo e usou até o
Zé Gotinha, personagem que chamou de apartidário, para falar na tradição
brasileira na vacinação. São atitudes dignas de aplauso, que contrastam com o
descaso, a irresponsabilidade e a falta de compostura de Bolsonaro diante da
pandemia.
O
futuro jurídico de Lula depende do que o Supremo Tribunal Federal decidir sobre
os processos em que foi condenado na Lava-Jato. O político desde ontem ficou
evidente: está em campanha para voltar ao poder. Seria bom se o tempo em que
ficou preso e os erros do passado tivessem ensinado algo a ele e ao PT.
Infelizmente, pelo que se ouviu no discurso, não aprenderam nada.
Brasil precisa rever posição sobre quebra de patentes na pandemia – Opinião / O Globo
O caminho pantanoso que a pandemia tomou no Brasil — somos hoje o país com maior número diário de mortes — deveria levar o governo a rever suas posições, a despeito do obscurantismo que marca a gestão do combate à Covid-19 no governo Bolsonaro. Num momento em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) volta a discutir a suspensão de patentes de vacinas e medicamentos contra a doença durante a pandemia, o Brasil insiste em apoiar a posição dos países ricos contra a quebra provisória proposta por Índia e África do Sul — a trégua duraria o tempo necessário para que a maior parte da população mundial fosse vacinada.
Sob
Bolsonaro, o país que já foi decisivo para incluir no acordo internacional de
propriedade intelectual , o Trips, as exceções que permitem a quebra em casos
de emergências sanitárias (usadas depois no caso de drogas contra a Aids)
abdicou do currículo e se colocou ao lado de Estados Unidos, Suíça, Japão,
União Europeia e outros integrantes do clube dos ricos. Argumentou que já
existem brechas que permitem aos países quebrar patentes para garantir o
abastecimento de vacinas e remédios em emergências sanitárias.
Evidentemente,
a patente é um monopólio justo para quem investe em inovação. Mas a situação
atual, em que impera o nacionalismo das vacinas, criou um desequilíbrio. Há
países com estoques para imunizar três vezes sua população, outros sem nada.
Deve-se reconhecer também que as grandes farmacêuticas, que venceram a corrida
para produzir em tempo recorde vacinas contra a Covid-19, impõem aos países
condições draconianas para assinar contratos de fornecimento, como revelou
reportagem do GLOBO.
Claro
que isso não exime o governo Bolsonaro da responsabilidade pela falta de
vacinas no momento mais crítico da pandemia. Tanto que agora apela à China — o
Ministério da Saúde enviou carta ao embaixador Yang Wanming pedindo ajuda para
comprar 30 milhões de doses da Sinopharm. De qualquer forma, é incoerente
estrilar contra as condições desfavoráveis dos contratos e, ao mesmo tempo,
ficar ao lado das grandes farmacêuticas, votando contra a quebra de patentes
nos foros internacionais.
Enquanto
vigorar o “apartheid” das vacinas, a pandemia não será controlada por ações
isoladas. Hoje há um desequilíbrio que ameaça os próprios países ricos. Mesmo
aqueles que tiverem vacinado sua população não conseguirão manter fronteiras
fechadas às variantes eternamente, ao passo que a indústria do turismo derrete.
É
crucial garantir vacinas para todos os países. Enquanto o vírus sobreviver em
algum canto do planeta, por mais remoto que seja, a Humanidade continuará sob
ameaça. A emergência sanitária requer que as empresas e os países ricos revejam
suas posições e exigências. Nas discussões internacionais, o governo Bolsonaro
teria a oportunidade de resgatar a liderança que o Brasil já exerceu nesse
campo em passado recente. Mas talvez seja pedir demais.
PEC Emergencial perde ainda mais força na reta final – Opinião / Valor Econômico
Se
o ímpeto reformista for medido pela tramitação da PEC emergencial, não haverá
reformas ou elas serão pífias
Quase
um ano e meio depois de apresentada, a proposta emergencial de emenda à
Constituição estava a caminho de ser aprovada ontem pela Câmara dos Deputados,
após tramitação que retirou dela vários mecanismos de contenção de despesas e
corte de gastos. A PEC é um arremedo da original. Sem dar a ela a prioridade
que o nome lhe confere, o governo viu ela ser fundida às pressas com outras
duas PECs (as dos fundos e do pacto federativo) em uma proposta que lhe retirou
quase todos os gumes. Sua desidratação prosseguiu ontem, durante a votação dos
destaques. A correria para aprovação decorre do acordo que condiciona sua
aceitação pelo Congresso a uma MP do Executivo instituindo novo auxílio
emergencial.
Se
a equipe econômica por alguma vez nutriu a esperança de que com o apoio do
Centrão a missão de sustentar o teto de gastos e a austeridade seria reforçada,
tem tudo para se decepcionar. A busca de consenso entre partidos fisiológicos e
os demais tende quase sempre ao mínimo denominador comum, ou seja, a uma fração
deslocada da potência das propostas originais. Um dos principais obstáculos à
PEC Emergencial está no Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro trocou
sua indiferença em relação ao assunto ao longo do tempo, pela pressão por novas
desfigurações do texto. Comportou-se como o deputado do baixo clero que sempre
foi, e não como membro do Executivo autor das emendas submetidas ao Congresso.
Bolsonaro
uniu-se aos partidos que são contra o ajuste fiscal ao pressionar por três
mudanças. Ele queria retirar as forças de segurança do congelamento de salários
quando do acionamento dos gatilhos para correção de gastos, eliminar a
proibição de progressão e promoções durante o estado de calamidade pública e
suprimir a obrigação de enviar plano em seis meses para a redução dos
incentivos e benefícios tributários.
Coube
a membros do governo se mobilizarem para evitar as péssimas sugestões do
presidente da República. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse ao
presidente da Câmara Arthur Lira, e ao relator da PEC, deputado Daniel Freiras
(PSL-SC) que as brechas tornariam inevitáveis o aumento da inflação e dos
juros. Em reunião com Bolsonaro, Freitas saiu do Planalto afirmando que chegou-se
à conclusão “que esse é o momento que devemos olhar para o país e não para as
corporações de uma classe ou outra”. Foi uma conclusão passageira.
Já
na segunda votação, o líder do governo arranjou um acordo para contentar
Bolsonaro, mas retirando a excepcionalidade das forças de segurança: não haverá
vedação de promoções e progressões de carreira para todos, mesmo em um estado
de calamidade, que exige duras ações excepcionais.
Antes
disso, a Câmara já havia derrubado a desvinculação de fundos específicos, para
acomodar a revolta dos funcionários da Receita. Com isso, o governo ficará sem
R$ 72,9 bilhões que a medida proporcionaria (Valor, 4 de março).
A
única medida de corte efetivo de despesas, e não apenas contenção, foi uma das
primeiras a ficar pelo caminho: a redução de jornada com corte de salários dos
servidores públicos. O PT aliou-se a Bolsonaro no corporativismo e quis a
manutenção de promoções, progressões e contratações públicas e tentou derrubar
o limite de R$ 44 bilhões para bancar o auxílio emergencial.
Houve
desfiguração das medidas originais por exclusão e também por inclusão. À
obrigação correta de reduzir benefícios tributários à metade (de 4% para 2%) se
estabeleceu quais incentivos que não poderiam ser mexidos, justamente os
maiores em renúncias, como Simples Nacional, Zona Franca de Manaus, o que,
incluído na Constituição, os tornará intocáveis por oito anos.
Até
o início da noite, quando a votação prosseguia, restavam intactos os gatilhos
que disparariam medidas de correção: a partir de 85% até 95% das despesas
totais para Estados e 95% para a União, para a qual será obrigatória - e que só
será disparado em 2024 ou depois. Também de importância para a transparência
das contas, a PEC padroniza a contabilidade dos gastos com inativos e os inclui
no teto de gastos dos Legislativos municipais.
No primeiro teste importante da base governista liderada pelo Centrão, o Congresso se comportou como sempre - inclinado à pauta corporativista e avesso a medidas firmes de ajuste fiscal. Se o ímpeto reformista for medido pela tramitação da PEC emergencial, não haverá reformas ou elas serão pífias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário