Bolsonaro
e Lula vão disputar o mesmo eleitorado, num faroeste sem mocinhos
Nos
fenômenos políticos brasileiros dos últimos 20 anos Luiz
Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro exibem uma
importante característica em comum: foram vendedores de esperanças frustradas.
As diferenças ideológicas e de estilo entre eles empalidecem diante do fato de
que assumiram prometendo grandes transformações e acabaram governando com a
mesma massa amorfa de forças políticas empenhadas em acomodar interesses
setoriais, cartoriais, corporativistas e regionais às custas dos cofres
públicos ou de pedaços da máquina pública – plus/minus a roubalheira
petista.
O
fator excepcional agora é o alargamento e aprofundamento de crises simultâneas
de saúde pública, economia estagnada e liderança política. Elas são causa e
consequência ao mesmo tempo do esgarçamento do tecido social (perigo de
anomia), da deterioração do equilíbrio dos poderes (Judiciário emasculando os
demais) e da incapacidade generalizada de elites econômicas de enfrentar a
estagnação de produtividade e competitividade da economia (já nem se fala mais
de PIB ruim de ano para
ano, mas de PIB ruim de década para década).
Diante da tragédia da saúde e de seu impacto na economia – claudicante já antes da pandemia –, o problema para Bolsonaro e Lula é qual esperança vão vender. As bandeiras do lulopetismo estão manchadas não só pela corrupção adotada como forma de governo, mas, e ainda mais decisivos, pelo espetacular fracasso no intervencionismo e dirigismo da economia e a incapacidade de resolver mazelas sociais. São graves pois derivam de ideias equivocadas, em boa parte abraçadas por setores das elites empresariais.
Sem
ideias próprias, Bolsonaro abandonou sucessivamente qualquer conjunto coerente
de postulados emprestados por Paulo Guedes, além de deixar para lá ou atuar
contra as bandeiras da luta anticorrupção, da reforma e enxugamento do Estado
e, de forma também espetacular, parou de se empenhar por destravar a economia
do País. Que, ainda por cima, enfrenta o agravamento do sufoco fiscal, questão
não meramente conjuntural (gastos com pandemia).
A
tripla crise é particularmente grave para a vida nacional, pois reforça um
angustiante estado de paralisia no qual se destaca a percepção generalizada de
que nada anda direito – inclusive criar alternativas políticas aos fracassados
vendedores de esperanças. Paira um sentimento (sim, coisa subjetiva, mas
política é coisa subjetiva também) de que impera por toda parte uma
extraordinária hipocrisia: um STF que só toma decisões ao sabor da política,
dizendo que não toma decisões políticas. Um Centrão que só pensa nos próprios
interesses setorializados, quando fala que defende interesses do País. Um
presidente que só pensa na reeleição e na própria família, quando diz falar
pela coletividade, cujo sofrimento pouco o comove.
Por
uma desagradável ironia, Bolsonaro e Lula (ou as forças que representam) estão
hoje na situação de terem de disputar a mesma parcela do eleitorado mais
dependente de assistencialismo, mais arriscada a cair na miséria total se
faltar a mão do Estado, mais ignorante e com a situação agravada pela falta de
acesso a serviços básicos e educação de qualidade. Quadro piorado pela
pandemia.
É
uma dura constatação, mas que até aqui não levou as diversas elites dirigentes
brasileiras (entendidas como os grupos “que pensam” na economia, no ambiente
cultural no sentido amplo e na condução de agrupamentos políticos) sequer a um
diagnóstico comum, quanto mais a linhas de ação. A noção de que “a corrupção”
seria a grande causa e a explicação para o nosso atraso relativo foi derrubada
agora com o “desmascaramento” da Lava Jato (juntando na mesma trincheira
safadeza com defesa de princípios da ordem democrática). “Mais saúde e
educação”, as palavras de ordem de 2013 viraram slogans vazios de conteúdo.
Dizer que estamos vivendo um faroeste sem mocinhos é repetir Maquiavel, cuja originalidade estava na afirmação de que em política não se consegue realizar princípios. O problema é quando vira um faroeste sem esperanças.
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