Presidente
deve redobrar aposta conservadora
Na
Assembleia de Deus - Ministério de Madureira no Parque Jandaia, em Guarulhos,
só se admitiu a presença no culto do domingo a quem se apresentou de máscara e
com álcool gel. Foi feito um rodízio para cumprir o protocolo de se garantir a
lotação de apenas 25% da capacidade do templo. O frequentador é convidado por
mensagem de aplicativo a comparecer. Quem vai em um culto, precisa aguardar uma
semana para ser chamado de novo. Antes, havia fiéis que batiam ponto no templo
todos os dias. A empolgação de cantos de louvor não existe mais, para evitar a
emissão de partículas de aerosol.
É
muito difícil convencer um religioso praticante que, mesmo com a adoção de
todos estes cuidados, não há segurança sanitária para se promover a aglomeração
em um evento fechado. Como de fato não há, por mais protocolos que se adotem.
A ilusão de que se pode driblar o vírus com cautelas, profilaxias e precauções, no entanto, é por demais persuasiva. E para os fiéis, há uma estrada aberta para se acolher como verdadeira a narrativa de que não passam de preconceito contra os religiosos os bloqueios à realização de cultos, referendada por governadores, prefeitos, ministros do Supremo Tribunal Federal e pelo consenso do entendimento científico,
O
julgamento dessa semana no Supremo Tribunal Federal, portanto, reforça a
estratégia bolsonarista de que existe um movimento “cristofóbico”. Estratégia
na qual, por motivos diversos, se incorporam o ministro Kassio Nunes Marques, o
advogado-geral da União e o procurador geral da República.
O
presidente se apoia no Centrão, nos militares e no mercado para governar, não
raro colaborando para jogar estes grupos um contra o outro. Para ganhar
eleição, entretanto, ele depende do fundamentalismo cristão. É um conceito que
transcende o protestantismo: abarca também movimentos leigos conservadores da
Igreja Católica e as correntes denominadas “carismáticas” do catolicismo.
Houve
um tempo, o da hegemonia na Câmara dos Deputados de Eduardo Cunha, em que os
interesses do fundamentalismo cristão iam para a linha de frente do Parlamento.
O lobby fundamentalista teve mais sucesso, entretanto, em barrar a agenda dita
progressista e identitária do que propriamente em impulsionar a pauta
conservadora.
Com
o advento de Bolsonaro, este lobby deixou de dar o tom no Congresso, ao menos
por agora, e cresceu sua influência de modo excepcional no Executivo. Começa a
ofensiva este ano sobre o Judiciário, da qual a polêmica sobre os templos
abertos é o primeiro movimento.
Um
dos mecanismos de fidelização é a ocupação de espaços estratégicos. O
antropólogo Ronaldo Almeida, livre-docente da Unicamp e especialista no tema,
está mapeando o aparelhamento da máquina pública pelo fundamentalismo cristão.
O mapeamento é parte de uma pesquisa que em breve aparecerá com mais detalhes
em publicações especializadas.
É
enganoso tomar como exibição de força evangélica apenas o fato de terem hoje
cinco ministros na Esplanada (Luiz Eduardo Ramos, Onyx Lorenzoni, Milton
Ribeiro, Damares Alves e André Mendonça). Nem todos deste grupo estão onde
estão por serem evangélicos.
Chama
mais a atenção de Almeida a qualidade dos espaços ocupados. Por meio do MEC e
do ministério de Damares, o fundamentalismo tem como tocar sua pauta de modo
transversal. Na Funai, os evangélicos conquistaram a área que cuida de
indígenas isolados, ponto nevrálgico para a expansão missionária na região
Norte.
No
próximo ano, o da eleição presidencial, ninguém segura Bolsonaro, acredita
Almeida. Ele procurará avançar com a agenda conservadora com toda força que
tiver, para sedimentar seu apoio no segmento que em 2018 entregou a ele dois de
cada três votos.
“Ele
não vai parar um instante sequer de tentar fidelizar este público”, aposta o
antropólogo. Até porque existem rachaduras no apoio fundamentalista a
Bolsonaro, já perceptíveis a olho nu.
“A
pandemia traz um problema para Bolsonaro entre os evangélicos, porque há uma
incidência maior de mortes exatamente nas áreas em que a concentração de fiéis
é maior. Quando Bolsonaro muda de tom em relação às vacinas, também está de
olho nisso”, comenta o reverendo André Mello, da Igreja Presbiteriana da
Aliança, em Florianópolis. Há lideranças evangélicas morrendo.
Bolsonaro
chegou ao poder retratado por fiéis como um ungido do Senhor. E em um ungido do
Senhor não se toca, e nem se cobra ao Altíssimo pelo fato de pessoas por vezes
tão destituídas de mérito terem recebido o chamado para este papel. Ao ungido
do Senhor se obedece. Só há um detalhe: o ungido do Senhor pode perder esta
condição.
Mello
afirma que em sua rede de contatos são frequentes as comparações de Bolsonaro
com o rei Saul. É uma comparação simplesmente terrível no meio evangélico.
Pelas mãos do profeta Samuel, Saul foi ungido para ser o primeiro rei do povo
de Israel. Antes de receber a unção, Saul era apenas um pastor da menor tribo
dos judeus que andava em busca de alguns jumentos perdidos. A autoridade de
Saul foi aceita porque provinha de Deus, mas o monarca pecou contra o Senhor.
Soberbo, ele envolveu Israel em guerras inúteis contra vizinhos poderosos e
passou por cima da autoridade dos profetas, sem demonstrar arrependimento.
Perdeu a condição de ungido, que foi transferida para Davi. Israel passou a
estar sob juízo do Senhor. Nada poderia dar certo para o povo escolhido nas
mãos do rei errado.
A
metáfora indica que nada, nem mesmo o apoio evangélico, é monolítico ou incondicional.
Cultivar essa base precisa ser um esforço permanente do presidente.
Doria
Por motivos que ainda não estão claros, o governador paulista João Doria não colhe dividendos em sua imagem depois do inegável sucesso de sua administração em produzir uma vacina que tem se mostrado eficaz, até o momento, contra a pandemia. A pesquisa Ipespe divulgada pelo Valor, se confirmada por futuros levantamentos, debilita dramaticamente sua articulação para concorrer à Presidência.
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