O
derrotado pelo populismo do governo foi o ministro da Economia e sua política
econômica neoliberal obsoleta
O
embaralhamento das relações de mando na estrutura de poder do Estado
brasileiro, em dias passados, com as quedas de ministros, fez revelações
importantes sobre as peculiaridades deste governo e sobre quem governa e quem
pensa que governa. Sobretudo, vai ficando evidente que o Estado brasileiro, em
decorrência dos oportunismos que colheram os bagaços do poder na insurreição
eleitoral de 2018, criaram uma ordem política de poderes multifocais e
concorrentes.
A fragilização do Estado, em
decorrência da postura anticientífica do presidente e seus adjuntos quanto à
pandemia, nos episódios que resultaram em notório descontrole na política de
saúde, propiciou o surgimento de outros focos de decisão. É o caso da Câmara,
na manifestação do seu presidente, quando alertou o governo de que estava
acendendo o sinal amarelo para o risco de remédios políticos penosos e
dolorosos. Sugestão para que o Centrão governe, não a família, nem os
bajuladores não profissionais.
A crise foi uma crise reveladora das invisibilidades do poder de fato, disperso e contraditório. Uma coalizão de incompetências descomprometidas com uma política de primado dos interesses da nação.
As quedas de ministros foram iluminadas pelas subidas substitutivas, no geral em desacordo com a concepção de poder e as pretensões do governante. Os novos escolhidos representam a continuidade daquilo que ele não gosta nem aceita. O presidente da República revelou-se em conflito com o Estado brasileiro que a Constituição manda que ele personifique e acat Na falta de condições para fazê-lo, a prudência política e os interesses da nação recomendam a constitucionalidade da substituição. Há um conflito entre a pretensão do poder pessoal e o poder institucional.
Nesse cenário, a mais importante
mudança não se deu por quedas e subidas de quem quer que seja. E sim pela
transferência do general Braga Netto para o Ministério da Defesa. O derrotado
pelo populismo obsoleto invisível foi o ministro da Economia e sua política
econômica neoliberal obsoleta.
Na melancólica reunião do governo de
22 de abril, uma escandalosa demonstração de desacordos de vários ministros e
do próprio governante, houve um desentendimento significativo entre esse
general e o ministro da Economia.
O general fez intervenções que
evidenciavam seu alinhamento com as ideias do ministro do Desenvolvimento
Regional, Rogério Marinho, um economista. Em sua visão da economia há indícios
de filiação a valores de tradição econômica em conflito com a doutrina de
Guedes.
O próprio ministro da Economia,
inspirado pelo economismo da Universidade de Chicago, reagiu no ato e deu nome
à “entidade” que soprava inspirações ao general, que equivocadamente as chamava
de Plano Marshall. O inspirador era, disse Guedes, o economista inglês John
Maynard Keynes, da Universidade de Cambridge.
Keynes desenvolveu a teoria do
círculo virtuoso do Estado criador de fluxo de renda, que cria fluxo de
emprego, que cria fluxo de renda. Aquilo que, a seu modo, o sueco Gunnar Myrdal
definiu como causação circular e acumulativa.
Foi o que criou na Inglaterra o
Estado do bem-estar social, que acabaria vencido pela ascensão política de
Margaret Thatcher e por seu neoliberalismo econômico de governar para o lucro e
não para o povo. É o que o governo Bolsonaro tenta fazer aqui, a política
econômica do desmantelamento dos direitos sociais, que enfraquece o
capitalismo.
Guedes procurou legitimar seu
diagnóstico informando que lera Keynes no original e estendeu-se em
considerações críticas à economia keynesiana. Em boa parte porque o capitalismo
de Guedes, diferente do capitalismo de Keynes, é, no limite, um capitalismo sem
gente que perturba com seus direitos sociais.
Um capitalismo de mercado encolhido, pobre e empobrecedor. Sem futuro, incapaz
de integrar socialmente, pela política econômica, a multidão de desempregados e
subempregados. O capitalismo de um empresariado aquém do capitalismo robusto e
competitivo que poderia ser o brasileiro, socialmente inovador.
Pouco se falou, já no cerne da crise
política, sobre a aprovação do orçamento da União, com um significativo
privilégio dos gastos em infraestrutura. Coisa que Marinho defendia na reunião
de 22 de abril, uma das pouquíssimas coisas realmente sérias na pauta dominada
por palavrões, grosserias e manifestações de ignorância explícita.
Ou seja, na decisão do parlamento
sobre o orçamento venceu o que parece ser a possibilidade de um
pseudo-keynesianismo antibolsonarista na política econômica. Uma derrota do
monopólio de Guedes nas decisões dessa área. Derrota do empresariado que
apostou eleitoralmente na equivocada política econômica do bolsonarismo.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Simon Bolivar Professor (Cambridge, 1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Moleque de Fábrica" (Ateliê).
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