Ela
vai crescendo aos poucos e precisa ser debelada antes que seja tarde demais
Um
tema importante, mas pouco estudado nas ciências sociais, é o das causas e
efeitos da cleptocracia, termo de origem grega que significa, literalmente,
governo de ladrões. Em todos os regimes políticos, democráticos ou
autoritários, os governantes e seus apoiadores se beneficiam de seus cargos.
Mas o que marca a cleptocracia é a pilhagem sistemática dos recursos públicos
em benefício dos governantes e seus familiares, atropelando as instituições ou
manipulando-as a seu favor. Os cleptocratas têm muito pouco apoio na sociedade,
no entanto, conseguem se manter por longo tempo no poder. Como isso é possível?
Cerca
de 20 anos atrás, Daron Acemoglu, economista de origem turca que ficou famoso
por combinar a análise econômica com a história e as ciências políticas, tratou
de responder a essa pergunta, que é mais atual do que nunca, sobretudo no
Brasil (*). Ele tomou como exemplo os casos extremos do Congo, com Joseph
Mobutu, e da República Dominicana, com Rafael Trujillo, que governaram por
décadas e arruinaram seus países, mas o modelo que desenvolveu é de aplicação
muito mais ampla.
O que permite que a cleptocracia se estabeleça e se mantenha, diz Acemoglu, é a debilidade das instituições de um país. “Quando as instituições são fortes”, diz ele, “os cidadãos punem os políticos retirando-os do poder; quando as instituições são fracas, os políticos punem os cidadãos que não os apoiam. Quando as instituições são fortes, os políticos competem pelo apoio e endosso de grupos de interesse; quando as instituições são fracas, os políticos criam e controlam os grupos de interesse. Quando as instituições são fortes, os cidadãos exigem direitos; quando as instituições são fracas, os cidadãos imploram por favores”.
Na
cleptocracia todos perdem, exceto os cleptocratas, mas os diferentes setores da
sociedade não conseguem se organizar para tirá-los do poder porque eles usam a
conhecida tática de dividir para reinar. Pensemos em dois partidos que poderiam
unir-se para derrotar os cleptocratas na próxima eleição. Antes que se juntem,
o governo chama um deles, oferece vantagens e benefícios e ameaça punir quem
ficar contra. Entre o medo e a ganância, o apoio é dado e o governo se mantém.
No dia a dia, a técnica funciona trocando constantemente ministros e altos
funcionários, provocando insegurança e fazendo as autoridades serem leais aos
governantes, e não às responsabilidades e aos fins das instituições em que
trabalham.
Existem
algumas condições para que esse jogo de dividir para reinar tenha sucesso. A
primeira é quando os setores mais organizados da sociedade só conseguem pensar
no curto prazo, porque não acreditam na estabilidade das instituições políticas
e econômicas. Entre o ganho imediato de um privilégio concedido ou bom negócio
feito hoje com o governo e um ganho futuro de uma eventual vitória eleitoral e
a economia prosperando, apostam no ganho imediato. O segundo é quando os
governantes conseguem concentrar recursos significativos em suas mãos, seja
porque recebem ajuda internacional, ou porque se beneficiam dos lucros da exportação
de alguns produtos de grande valor, ou porque podem canalizar para si o
dinheiro de impostos, ou emitir dinheiro novo. O terceiro é quando a economia é
pouco produtiva, o que faz que os benefícios vindos dos favores do governo
sejam muito mais valorizados do que os da atividade econômica e profissional
independente. O último é quando os diferentes grupos de interesse na sociedade
são igualmente débeis em sua capacidade de se organizar e mobilizar recursos, o
que faz que nenhum deles seja capaz, sozinho, de desafiar e ganhar numa disputa
com os tecnocratas.
Existem
outros dois fatores que contribuem para a permanência das cleptocracias. Um é
quando o poder político está concentrado numa pessoa, mais do que num cargo ou
numa instituição. Com isso, em eventual conflito entre os interesses do
governante e as regras institucionais, prevalecem os primeiros. O outro é
quando a sociedade é muito desigual, permitindo que um pequeno grupo mantenha
seus privilégios, cooptando parte dos setores mais pobres distribuindo
migalhas.
Para
os que conseguem acompanhar, Acemoglu e seus colaboradores apresentam um modelo
matemático que mostra de forma precisa como a cleptocracia funciona e se
mantém. Aqui basta dizer que uma consequência grave da cleptocracia é o ataque permanente
às instituições existentes, não só do Executivo, mas também do Judiciário e do
Legislativo, que acabam por perder legitimidade e autonomia. O resultado é a
desorganização da economia, o empobrecimento da sociedade e o aumento da
insegurança, fatores que, por sua vez, facilitam a permanência dos cleptocratas
no poder. Mobutu, Trujillo, Stroessner e tantos outros mostram que quando a
cleptocracia domina é muito difícil se livrar dela. Mas ela pode ser entendida
também como uma doença que vai crescendo aos poucos e precisa ser debelada
antes que seja tarde demais.
(*) Acemoglu, Daron, Thierry Verdier e James A.
Robinson. Kleptocracy and divide-and-rule: A model of personal rule. Journal
of the European Economic Association, 2 (2-3), pp 162-92, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário