Em
2007, STF determinou por unanimidade instalação de CPI do apagão aéreo, que o
governismo tentava evitar
A
loucura, a paranoia e a incompetência derrubam 25
Boeings 737 por dia no país. A CPI da Covid-19 no Senado não é só uma
imposição constitucional. Passou a ser uma obrigação moral. Agiu com acerto
o ministro
Luís Roberto Barroso ao determinar a sua instalação. Manda cumprir o que
está na Carta.
O
requerimento, com 32 assinaturas, foi protocolado por Randolfe Rodrigues
(Rede-AP) no dia 4 de fevereiro. Em 11 de março, Alessandro Vieira (SE) e Jorge
Kajuru (GO), ambos do Cidadania, recorreram ao STF com um mandado de segurança
para que o presidente
da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cumprisse as regras do jogo. O
relator é Barroso.
Pacheco
vinha tentando adiar a comissão. O senador já havia afirmado que achava
inevitável a investigação, ponderando, no entanto, que ela poderia ser feita
mais à frente. A prioridade, insistia, era combater a doença e conseguir as
vacinas. Tinha e tem razão. Mas com CPI. Em nada ela obsta o combate à doença.
Quem produz vacinas no país, ainda que com Ingredientes Farmacêuticos Ativos
importados, são o Butantan —80%— e a Fiocruz.
Não restava a Barroso caminho alternativo ao que estabelecem a Constituição e a jurisprudência do STF. O pedido cumpre o que dispõe o parágrafo 3º do artigo 58 da Carta, que prevê apenas três requisitos para uma CPI: a assinatura de ao menos um terço da Casa, existência de fato determinado e estabelecimento de um prazo de vigência. Inexiste arbitragem ou ato monocrático do presidente da Câmara ou do Senado a deslanchar o processo.
Pacheco
concedeu uma entrevista furiosa e errada depois da decisão de Barroso.
Remédios para acalmar: Constituição e jurisprudência. Convém não tomar a
cloroquina do arranjo e a ivermectina da indignação corporativista e infundada.
Não corrigem a doença da incompetência do governo e ainda causam eventos
adversos graves.
Voltemos
a 2007, quando a então oposição criou na Câmara a chamada “CPI do setor aéreo”.
Reuniu-se o número necessário de assinaturas, e o petista Arlindo Chinaglia (SP),
presidente, determinou a sua instalação. Mas acatou um recurso interposto por
Luiz Sérgio (PT-RJ), líder do partido, que acusava irregularidades no pedido.
Chinaglia aceitou votar a questão, e a comissão foi derrubada por maioria no
plenário.
Os
que defendiam a investigação recorreram ao STF justamente com um mandado de
segurança, cujo relator foi o ministro Celso de Mello. Ele concedeu a liminar,
determinando a instalação da comissão, e submeteu a sua decisão ao pleno. Foi
referendada por unanimidade. Um dos que entraram com recurso foi o então líder
do PFL na Casa e hoje secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni.
Aquela
CPI começou a ser gestada depois da queda de um Boeing 737 da Gol, que matou
154 pessoas, no dia 19 de setembro de 2006. O episódio se deu em meio ao que
ficou conhecido como “apagão aéreo”. Governos e governistas não gostam de CPIs.
E é justamente neste ponto que entra o Supremo.
Escreveu
Celso de Mello no acórdão: “O direito de oposição, especialmente aquele
reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa
prerrogativa constitucional inconsequente, há de ser aparelhado com
instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta”.
Observem
que, naquele caso, a CPI havia sido derrubada pela maioria da Câmara. Nem assim
a garantia se apagava. Acrescentou o acórdão: “A maioria legislativa não pode
frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso
Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo artigo 58, §
3º (...)”.
Num
primeiro momento, até me pareceu razoável que Pacheco pudesse tentar negociar
com os subscritores do requerimento um prazo. No dia 24 de março, por exemplo,
houve uma reunião entre os Três Poderes para a criação do tal Comitê de Combate
à Covid. Talvez um princípio de racionalidade, quem sabe... Cinco dias depois,
Bolsonaro criou uma crise militar, ameaçando o país, mais de uma vez, com o
“meu (seu?) Exército”.
O
adiamento da CPI em nada facilitou o processo de vacinação nem teve o condão de
chamar o presidente da República à razão. Cumpra-se o que dispõem a
Constituição e a jurisprudência do Supremo. Foi o que fez Barroso. CPI já! Para
que Congresso e Supremo não se tornem cúmplices do morticínio em massa e para
que eventuais responsáveis paguem pela tragédia.
Ou será que a queda — trágica, mas felizmente rara — de um avião comove, mas a de 25 por dia anestesia o espírito?
Nenhum comentário:
Postar um comentário