- O Globo
CPI trouxe muitas revelações dos erros e das omissões do governo, e o silêncio do general será revelador da dimensão do erro dos militares
Duas semanas de CPI e o Brasil já sabe: um
general da ativa quer esconder a verdade do país, o presidente governa com uma
estrutura clandestina, o ministro da Economia não percebeu um fato que mudou
totalmente o cenário econômico, o ex-secretário de comunicação do Planalto
desconhece o impacto da fala do presidente, o governo desprezou vacinas que
poderiam ter salvado vidas de milhares de brasileiros. O que se confirmou, e
que sabíamos antes, é que o governo é parte fundamental da tragédia que
infelicita o Brasil.
A CPI provou que esta era a hora de a CPI funcionar. Houve quem dissesse que neste momento não se deveria abrir a investigação. Errado. É exatamente quando se pode influenciar na realidade, e tentar mudá-la, que faz sentido ter uma Comissão Parlamentar. Depois que tudo for apenas passado, o que se poderá fazer a não ser a arqueologia das nossas dores? O Senado em boa hora está investigando, interrogando, procurando as informações que podem mudar o presente. É tenso? Claro que é, mas este é o momento. Não poderia tardar mais.
As informações trazidas à tona foram
valiosas porque descortinaram a cena brasileira. O governo ignorou a oferta das
vacinas. Agora se sabe que um milhão e meio poderiam ter chegado em dezembro e
três milhões no primeiro trimestre. Apenas da Pfizer. Viveremos com a dor do
“quem sabe”, como diria o deputado Alencar Furtado. Quem sabe as vidas que
poderíamos ter salvado, se a imunização tivesse começado em dezembro? E não
tardou mais graças ao governo de São Paulo. A primeira vacina a chegar no braço
da brasileira Monica Calazans foi a coronavac, produzida no Butantan por
insistência do governo paulista. O presidente Jair Bolsonaro era contra. Tentou
disseminar mentiras sobre o imunizante, revogou o contrato assinado pelo
submisso general Pazuello, brigou com a China.
Os militares e os economistas do governo
saem mal desta pandemia e desta CPI. Por dever de ofício, nas duas profissões é
necessário ter visão estratégica. Não tiveram. A elite militar fez uma aposta
de alto risco na simbiose com o governo Bolsonaro. Agora, um general da ativa
tem medo de ir à CPI e ser preso por falar mentira. E recorreu ao STF para
esconder o que sabe, o mesmo Supremo que os filhos e seguidores do presidente
gostariam de fechar. Treinados em cursos de estratégia, os generais não
perceberam o óbvio. Era fácil ver. A missão das Forças Armadas é manter o país
unido. Bolsonaro sempre apostou no conflito e na divisão.
O Ministério da Economia não viu a dimensão
do evento que alterava rigorosamente tudo no cenário econômico por dois anos. O
primeiro erro foi, no início da pandemia, não levar a sério as projeções de
casos e de mortes, como revelou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Houve
quem na área econômica fizesse projeções coincidentes com as do Ministério da
Saúde daquela época. Contudo, a avaliação que prevaleceu, até pela posição do
ministro Paulo Guedes, foi a que subestimava a duração e a profundidade da
pandemia. Com o cenário errado, foram tomadas decisões erradas. Uma delas foi
ignorar por meses a carta da Pfizer, dirigida também a Paulo Guedes. No final
do ano, os cenaristas da Economia olhavam o indicador de distanciamento social
caindo e achavam que isso levaria ao retorno da atividade econômica. Na
verdade, a queda das medidas protetivas produziu um aumento do contágio. Mesmo
quando os números de casos e mortes voltaram a subir os economistas do governo
insistiam nas previsões equivocadas.
A CPI também mostrou que Bolsonaro governa com um gabinete clandestino no qual se misturam filhos, amigos dos filhos, pessoas estranhas ao serviço público. É completamente irregular do ponto de vista institucional que uma autoridade municipal, no caso o vereador Carlos Bolsonaro, tenha poderes na administração federal. Um governo nas sombras não é auditável e não está sob a supervisão de órgãos de controle. O que foi dito até agora trouxe muitas informações, mas o silêncio do general também será revelador. Pazuello não pode contar o que sabe sem se incriminar. Que espanto.
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