O Globo
Vão me desculpar, mas tenho de citar a
coluna de sábado passado — “Os crimes do presidente: quem vai punir?”.
Em linguagem simples, dizia o seguinte:
Bolsonaro passa dos limites todos os dias, e ninguém vai fazer nada?
Bom, fizeram, em três atos.
Primeiro, o Tribunal Superior Eleitoral,
por unanimidade, incluiu o presidente num inquérito que poderá levar à cassação
da chapa de 2018 (Bolsonaro/Mourão) ou apenas do cabeça de chapa.
Depois, veio o manifesto de empresários,
banqueiros, líderes religiosos, economistas, ex-ministros, ex-presidentes do
Banco Central, intelectuais, artistas, enfim, uma potente tomada de posição do
capital, do PIB e da sociedade civil.
O manifesto não cita o nome de Bolsonaro —
não queriam fulanizar, disseram alguns signatários —, mas é obviamente contra
ele e suas ameaças à democracia e ataques ao sistema eleitoral.
E, já que foi assim, digo eu, deveriam,
sim, ter fulanizado. Tem um fulano bem determinado que está ameaçando golpes.
De todo modo, o movimento se espalhou
rapidamente, saiu de 260 assinaturas iniciais para 7 mil em três dias — e
continua recebendo adesões no site eleicaoserespeita.org.
Enfim, cabe aqui um “antes tarde do que
nunca”, como registraram alguns pesos pesados do mundo econômico. Houve broncas
ao pessoal do mercado financeiro, muito “leniente” diante da aproximação de uma
dramática crise institucional.
No terceiro movimento, o presidente do
Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, fulanizou na veia. Praticamente rompeu
relações com o presidente da República ao cancelar a reunião entre os chefes
dos três Poderes que ele mesmo, Fux, havia arranjado. Disse que fazia isso
porque Bolsonaro se tornara uma ameaça à democracia e a seu pilar, o sistema
eleitoral.
Agora, Bolsonaro é alvo de três inquéritos, mas com um enorme obstáculo para o prosseguimento deles. O presidente só pode ser denunciado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que, em vez de defender a sociedade e o estado de direito, tornou-se um quase advogado de Bolsonaro.
Fux chamou Aras para uma conversinha ontem.
Ambos deram notas anódinas sobre a reunião, mas é óbvio que o presidente do STF
não chamaria o PGR, neste momento, para tratar de abobrinhas. Claro que cobrou
uma conduta responsável.
Parece que o inquérito do Tribunal Superior
Eleitoral poderá caminhar sem a intervenção do PGR. A ver.
A reação aos desmandos de Bolsonaro ficou
tão nítida que o vice Mourão praticamente se candidatou a presidente.
Ele disse que a polarização Bolsonaro x
Lula não é boa para o país porque há muitos eleitores que não querem votar nem
em um nem no outro. Logo, um terceiro nome poderia atender esse eleitorado. Não
poderia ser mais claro.
Claro, muito difícil ele conseguir montar
essa candidatura para 2022. Mais possível (provável?) que seja chamado, antes
disso, para um mandato tampão.
Bolsonaro sofreu ainda uma outra derrota, a
derrubada da proposta do voto impresso numa comissão especial da Câmara dos
Deputados. Mesmo assim, o presidente da casa, Arthur Lira, pretende levar o
projeto direto à votação em plenário. Quer agradar ao presidente Bolsonaro,
que, desse modo, pode não vetar o bilionário fundo eleitoral.
Não parece uma jogada viável, pois o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já disse que lá não passam nem o voto
impresso nem outras mudanças no sistema eleitoral tramadas na Câmara.
Jogo em andamento, pois.
É uma barbaridade. No momento em que a
população sofre com a pandemia, a inflação, a instabilidade econômica, a falta
de perspectiva para novos empregos, a falta de aulas especialmente para os
alunos mais pobres — a cúpula do poder se engalfinha em torno de questões
próprias. E o presidente Bolsonaro propositadamente sabota e tumultua.
Tudo considerado, foi muito bom o conjunto
de reações ao presidente. Continuamos diante de uma crise institucional, mas
setores cruciais da sociedade e do Judiciário tomaram posição.
Mas demoraram, hein?
Tomara que ainda esteja em tempo.
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