O Estado de S. Paulo
Presidente só pensa em reeleição e em fazer
seu sucessor um dos filhos, o Bolsonaro II
O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) sentiu-se no dever de prelecionar sobre democracia diante das diatribes
antidemocráticas de Bolsonaro. De seu discurso cabe destacar o recado ao
presidente de que o povo brasileiro jamais aceitará ser qualquer crise
solucionada mediante mecanismos fora dos limites da Constituição.
Bolsonaro, desgastado com o desgoverno no
combate à covid-19, que deixa o rastro de mais de 560 mil mortos, abriu três
frentes na busca de permanecer no poder: entregou o governo ao PP para evitar o
impeachment; busca financiar novo Bolsa Família para, via assistencialismo,
comprar popularidade entre a população pobre; e alimenta sua base fanática com
a narrativa do voto impresso para poder contestar futura derrota eleitoral,
impondo-se presidente contra uma “eleição perdida pela fraude”.
Os três caminhos trazem riscos
consideráveis ao País. O PP, Partido Progressista, é a antiga Arena, depois PDS
e origem de tramoias conhecidas com o PT, a começar da Petrobrás – basta
lembrar a sempre emblemática figura de José Janene (PP-PR), réu no processo do
mensalão, morto em 2010, a quem se atribuiu a organização da corrupção na
estatal, fazendo as cúpulas das siglas envolvidas serem beneficiadas
diretamente. Conforme noticia o jornal Gazeta do Povo (www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/janene-e-apontado-como-mentor-de-esquema-de-corrupcao-na-petrobras-eguel8pxx4qp4g4qf0w7sxidq/),
“Janene transformou a corrupção no varejo em esquema de organização
partidária”.
O presidente justifica ter dado a chave do governo ao PP porque ele mesmo vem de lá, partido do qual por muito tempo foi membro. Como se vê, apresenta ficha de vida pregressa contrária à sua proposta moralizante: “Sempre fui do Centrão”.
A outra vertente não passa de tentativa de
compra de popularidade, explorando a miséria que seu governo aumentou no País,
para cooptar apoio mediante a dádiva de R$ 400 por mês com novo Bolsa Família,
em assistencialismo que nada consolida no plano econômico, a não ser um calote
no pagamento de precatórios – “pago assim que puder” –, driblando o teto de
gastos, com riscos para o ajuste fiscal.
O terceiro caminho consiste na narrativa
que vem construindo de haver uma trama urdida para eleger Lula por meio de
fraude, sem voto auditável, sendo agentes dessa tramoia o STF e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), agora fulanizando o ataque na pessoa do ministro Luís
Roberto Barroso, a quem chama de imbecil, arrogante, defensor do Battisti.
Em tão ridícula quanto irresponsável live,
o presidente acusou, reconhecendo não ter provas, haver fraude nas urnas
eletrônicas, chegando a se valer do auxílio de astrólogo que faz acupuntura em
árvores.
Não bastou todos os ex-presidentes do
Tribunal Superior Eleitoral firmarem declaração assegurando haver, tanto ontem
como hoje, segurança, transparência e auditabilidade do sistema.
Não bastou o ministro Luís Roberto Barroso
dizer que ameaçar a realização de eleições é uma “conduta antidemocrática” e
solicitar ao Supremo Tribunal que averigue se o presidente comete crime ao
divulgar notícias falsas relativas ao processo eleitoral.
Não bastou o ministro Luis Felipe Salomão,
corregedor-geral do TSE, instaurar inquérito para apurar se houve abuso do
poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social,
corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda
extemporânea, relativamente aos ataques de Bolsonaro contra o sistema
eletrônico de votação e a legitimidade das eleições 2022.
Depois de todos esses reveses, o presidente
voltou à carga em ataque frontal às urnas eletrônicas e ao ministro Luís
Roberto Barroso na terça-feira 3/8: “ Está a serviço de quem?”. E em face da
abertura de investigação pelo STF considerou que o antídoto estaria fora da
Constituição.
Nada segura o presidente em sua campanha
contra a urna eletrônica, dizendo à rádio Jovem Pan que joga nas quatro linhas
da Constituição bem como fora delas: é o golpe.
Bolsonaro, desde o primeiro dia de mandato,
não pensou senão em reeleição e em poder indicar como sucessor, terminado o
segundo mandato, um dos filhos, o Bolsonaro II. Assim, é desesperadora para ele
a probabilidade de sequer ir para o segundo turno em 2022, dada sua crescente
rejeição. A farsa do voto impresso é o que resta para negar legitimidade à
eleição perdida e zerar o jogo democrático. Forma de superar a derrota é não a
aceitar como fruto de fraude, como tentou Donald Trump.
Dando realidade à fala do presidente do STF, a sociedade civil já reage e importantes figuras, economistas, empresários, intelectuais, líderes religiosos, por iniciativa do Centro de Debates de Políticas Públicas, lançaram, na última quinta-feira, manifesto proclamando que o Brasil terá eleições e o seu resultado será respeitado. O Movimento Pacto pela Democracia criará comitê plural de salvaguarda da democracia, para proteger a legitimidade das eleições e a observância da Constituição. É bom prevenir, pois poderá ser impossível remediar.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
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