EDITORIAIS
O TSE e a proteção da democracia
O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral tem sido um dos mais resistentes anteparos republicanos às estocadas liberticidas de Jair Bolsonaro
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem
servido à Nação como um dos mais resistentes anteparos republicanos às
estocadas liberticidas de Jair Bolsonaro. Em desairosa campanha pelo retrocesso
ao voto impresso, o presidente da República, de longe a mais perigosa fonte de
desinformação do País, adotou como tática minar a confiança dos brasileiros no
sistema de voto eletrônico, que há 25 anos confere, de modo incontestável,
confiabilidade e agilidade ao mais sagrado dos ritos democráticos, a realização
de eleições periódicas justas e a pacífica transição de poder.
Não é de hoje que Bolsonaro envenena os
brasileiros com suas mentiras a respeito da segurança da urna eletrônica e
pérfidas insinuações sobre uma conspiração envolvendo autoridades do Poder
Judiciário – em especial o presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto
Barroso – para fazê-lo derrotado na eleição de 2022 por meio de fraude. A live
conduzida por Bolsonaro no dia 29 passado a pretexto de apresentar “provas” de
fraudes havidas em pleitos passados parece ter sido apenas o ápice da escalada
de imposturas do presidente. Como convinha, a ela correspondeu o crescimento
significativo do protagonismo do TSE como instituição integrante do arranjo
constitucional de salvaguarda da democracia brasileira.
O TSE reagiu à altura do gravíssimo ataque
desferido pelo presidente naquela transmissão. Por unanimidade, a Corte decidiu
instaurar um inquérito administrativo para apurar se Bolsonaro cometeu “abuso
de poder político e econômico”, que, no limite, pode levar à sua
inelegibilidade. O TSE também decidiu apresentar notícia-crime ao Supremo
Tribunal Federal (STF) contra o presidente da República no âmbito do inquérito
que investiga a disseminação de notícias falsas. Relator deste inquérito, o
ministro Alexandre de Moraes – que presidirá o TSE em 2022 – recebeu a notitia
criminis e determinou que Bolsonaro seja investigado por seus infundados
ataques ao sistema eleitoral do País.
Era de esperar que houvesse reações ao acionamento dos freios institucionais pelo TSE. Bolsonaro seguiu expelindo bravatas e baixarias contra seus desafetos em entrevistas de rádio Brasil afora ou no bate-papo com aduladores no cercadinho do Palácio da Alvorada. A reação mais perigosa à Corte Eleitoral, no entanto, foi engendrada na Câmara dos Deputados. Para o bem do País, não prosperou.
O deputado Filipe Barros (PSL-PR),
bolsonarista de quatro costados e relator da PEC do voto impresso na comissão
especial da Casa, havia incluído de última hora em seu relatório, por fim
derrotado, dispositivos para reduzir sobremaneira o poder do TSE. Tivesse sido
aprovada a proposta do relator, a Corte Eleitoral perderia protagonismo nos
processos de investigação de crimes e infrações eleitorais pela Polícia Federal
(PF). O parlamentar afirmou ao Estadão/Broadcast que estas
investigações deveriam ficar a cargo da PF, de forma “independente” da
autoridade eleitoral, para dar “celeridade e isenção” ao processo. A proposta
era absolutamente temerária, tendo em vista que o próprio presidente da
República é investigado no STF por suspeita de interferência indevida na PF.
Ademais, é a Justiça que confere isenção a um processo, não a autoridade
policial.
Barros também tentou aprovar um dispositivo
que permitiria que cidadãos acompanhassem a contagem manual de votos, sem
explicar em que condições isto seria feito. Um despautério. Não é difícil
imaginar hordas de camisas pardas leais a Bolsonaro pressionando, para dizer o
mínimo, servidores dotados de múnus público no calor de uma apuração manual de
votos. Quem ganharia com o tumulto?
Como se não bastasse, Barros também
pretendia acabar com o princípio constitucional da anualidade, segundo o qual
mudanças no processo eleitoral entram em vigor na data de sua publicação, mas
não valem para a próxima eleição caso não tenham sido sancionadas com
antecedência mínima de um ano.
O casuísmo das propostas, como se vê, era
claro. Igualmente, a irresponsabilidade do proponente e dos defensores das
medidas. Ao final, prevaleceu o bom senso e as competências do TSE foram
preservadas.
A redução do orçamento do Inpe
O Estado de S. Paulo
Instituto de Pesquisas vem sendo asfixiado
financeiramente pelo governo Bolsonaro
A exemplo do que ocorreu com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), que completou 60 anos de atividades no dia 3 agosto, também
vem sendo asfixiado financeiramente pelo governo Bolsonaro. Para este ano, o
orçamento é de apenas R$ 75,8 milhões – um dos menores de sua história.
Em valor real, esse montante representa
menos da metade do que o Inpe recebeu em 2020 e cerca de 15% do que foi
repassado em 2010. Do mesmo modo como o IBGE não teve recursos para fazer o
Censo Demográfico de 2020, a asfixia orçamentária pode levar o Inpe a atrasar e
até a paralisar projetos importantes, como os dos satélites de observação da
Missão Amazônia e do programa Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, uma
parceria com o governo chinês que já dura três décadas.
Os cortes orçamentários também ameaçam o
funcionamento de importantes equipamentos. Um deles é o supercomputador Tupã,
responsável por previsões de tempo e clima, tratamento e coleta de dados
meteorológicos, monitoramento de queimadas e emissão de alertas climáticos.
Essas informações são essenciais para a tomada de decisões nas áreas de
agricultura, energia e transportes. O risco de uma eventual paralisação do Tupã
coincide com uma das mais graves crises hídricas já enfrentadas pelo País. Por
iniciativa liderada pelo Instituto Brasileiro de Orientação Ambiental,
diferentes entidades do setor lançaram em junho uma carta aberta advertindo o
governo para os problemas que a interrupção do Tupã poderá acarretar.
Além disso, a asfixia do Inpe está
comprometendo seus recursos humanos. Em 1990, ele contava com 2 mil servidores.
Atualmente, são apenas 744, dos quais 144 atuam na área de pesquisa, 456 no
setor de desenvolvimento tecnológico e 144 na área de gestão. Do total de
servidores, 200 têm condições de se aposentar, mas, como não há garantia do
governo de que suas vagas serão preenchidas, eles continuam trabalhando para manter
o Inpe em funcionamento.
Criado em 1961 com o objetivo de
desenvolver tecnologia espacial, o Inpe é hoje uma das mais importantes
instituições científicas brasileiras, com sede em São José dos Campos. Em seis
décadas de atividades, ele se destacou por suas pesquisas de astrofísica,
desenvolvimento de satélites, implantação do monitoramento ambiental na
Floresta Amazônica e por oferecer um respeitado curso de pós-graduação que já
formou mais de mil doutores e 2,5 mil mestres.
Mas, apesar de ser um dos órgãos “mais
nobres da pesquisa brasileira e com grande reconhecimento internacional, o Inpe
atravessa uma situação difícil do ponto de vista de sua sustentabilidade. Ele
perdeu apoio não só de ordem financeira, mas, também, às suas atividades de
longo prazo”, disse, em entrevista à revista Pesquisa Fapesp, o físico e
engenheiro Ricardo Galvão, que presidiu o órgão entre 2016 e 2019.
Há dois anos, ele esteve no centro de uma
polêmica – com enorme repercussão internacional – criada por Bolsonaro. Ela
começou quando o Inpe divulgou que a Floresta Amazônica havia perdido 10,1 mil
quilômetros quadrados de mata nativa – a maior taxa desde 2008. Sem qualquer
base técnica, Bolsonaro acusou o órgão de mentir e de “estar a serviço de
interesses contrários aos do Brasil”. Galvão, que é professor da USP, membro da
Academia Brasileira de Ciências e foi apontado pela
revista Nature como um dos dez cientistas mais respeitados do mundo,
reafirmou a lisura das informações sobre o desmatamento na Amazônia e foi demitido
por Bolsonaro, sob a justificativa de que estaria a serviço de ambientalistas
que “ameaçam a soberania brasileira”.
Desde então, como ocorre com o IBGE, que se
nega a manipular informações sobre emprego para melhorar a imagem do governo, o
Inpe luta para manter suas atividades. Este é o destino das áreas responsáveis
por coleta de dados e desenvolvimento tecnológico em um governo que, sob a
justificativa de defender a tradição, se declara inimigo da pesquisa e da
ciência.
A melhoria do serviço postal
O Estado de S. Paulo
O PL 591/21 possibilita a privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
No dia 5 de agosto, a Câmara dos Deputados
deu um importante passo para melhorar a qualidade do serviço postal no País.
Por 286 votos contra 173, foi aprovado o Projeto de Lei (PL) 591/21, que
possibilita a privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(ECT). Nunca é fácil promover privatizações, mas essa tarefa se torna ainda
mais árdua com o governo de Jair Bolsonaro, que insiste não apenas em criar
conflitos políticos desnecessários, mas em ignorar o objetivo central que deve
nortear a venda de uma estatal: o interesse público.
Encaminhado agora para a análise do Senado,
o PL 591/21 autoriza a exploração, mediante concessão, pela iniciativa privada
dos serviços postais. Trata-se da solução jurídica compatível com a
Constituição de 1988, que atribui à União a competência de “manter o serviço
postal e o correio aéreo nacional” (art. 21, X).
Segundo o PL 591/21, a estatal ECT – criada
em 1969 e com mais de 90 mil empregados – será colocada à venda, e os serviços
postais serão prestados pela nova empresa privada em formato de concessão. A
proposta aprovada pela Câmara estabelece condições para a desestatização dos
Correios e remete a regulação do setor à Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel).
Entre as condições previstas no PL 591/21,
os funcionários dos Correios terão estabilidade de um ano e meio na empresa a
partir do momento da privatização. Também será disponibilizado aos empregados
um plano de demissão voluntária com período de adesão de 180 dias contados da
desestatização.
Tais concessões revelam não apenas como é
forte o lobby do funcionalismo público, mas como o governo de Jair Bolsonaro é
fraco na defesa do interesse público. O objetivo da venda de uma estatal deve
ser a melhoria do serviço prestado aos cidadãos. Quando se tolera a imposição
de condições alheias a essa finalidade, diminuem-se de partida os efeitos
positivos da futura privatização. A nova empresa já nasce condicionada por
fatores estranhos ao interesse público. Não é demais lembrar que os Correios,
ou qualquer outra empresa estatal, não têm por objetivo servir aos seus
funcionários, e sim a toda a população.
Precisamente por isso, a Constituição
define, no seu art. 173, que “ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Não obstante o caráter excepcional da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado, a Associação dos
Profissionais dos Correios (Adcap) ingressou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 6635), perante o Supremo Tribunal Federal,
questionando a possibilidade de privatização da estatal. Na ação, a associação
confunde a competência de um ente federativo sobre determinado serviço público,
prevista na Constituição, com a obrigatoriedade de esse serviço ser prestado
por empresa pública, o que não está previsto no texto constitucional.
Tão logo a Câmara aprovou o PL 591/21,
houve ameaças de greve por parte de funcionários dos Correios. Esse tipo de
reação reforça os argumentos favoráveis à privatização dos Correios. Não se
pode deixar um serviço público de tal importância à mercê de pressões
corporativistas.
Também se constatou outra reação bastante
conhecida: a difusão de desinformação. Por exemplo, lideranças sindicais
disseram que, com a privatização dos Correios, os preços das tarifas vão
aumentar significativamente. O texto aprovado na Câmara não autoriza tal
presunção. O PL 591/21 fixa diretrizes para a Anatel na definição da estrutura
tarifária dos serviços postais, como custo do serviço, renda dos usuários e
indicadores sociais. Há também previsão de tarifa social para atendimento dos
usuários que não tenham condições econômicas de custear o serviço.
É fundamental que o Congresso dê passos
para a melhoria do serviço postal. O interesse público não pode estar refém de
pressões corporativistas.
Vigor democrático
Folha de S. Paulo
Derrota do voto impresso e manifesto
pró-eleições atestam repúdio a retrocesso
Ainda que não se trate de decisão
definitiva, é alentadora a derrota, em comissão especial da Câmara dos
Deputados, da proposta de
emenda constitucional que torna obrigatório o voto impresso.
No mérito, o texto rejeitado por eloquentes
23 a 11 representa um anacronismo que não deve ter lugar na Carta. O que o
torna mais repulsivo, porém, é ter se convertido em cavalo de batalha da
ofensiva golpista de Jair Bolsonaro, que busca desacreditar as urnas
eletrônicas como pretexto para não aceitar um malogro eleitoral em 2022.
Mais que mentirosas, as insistentes
alegações de fraude em eleições passadas, sem um fiapo de evidência a
sustentá-las, constituem uma tentativa de sabotagem do processo de escolha
popular. O mesmo fez Donald Trump, com o apoio imediato do aprendiz brasileiro,
nos EUA —onde o voto é impresso.
A reação à perfídia decerto explica o
placar elástico contra a PEC. À esquerda, à direita e ao centro, PT, DEM, PL,
PSD, MDB, PSDB, PSB, Solidariedade, PSOL, PC do B, PV e Rede se posicionaram
contra a propositura, o que no presente contexto corresponde a um endosso aos
ritos democráticos do país.
O mesmo
compreenderam as personalidades de setores diversos que assinaram manifesto em
defesa da Justiça Eleitoral, do sistema de votação e da lisura dos pleitos. “A
sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras
autoritárias. O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados”, diz
o documento.
Entre seus milhares de signatários tem
chamado a atenção a presença de expoentes do empresariado e do mercado
financeiro. O destaque se explica porque se tornou comum atribuir a tais
segmentos, numa generalização simplista, o apoio ao presidente e à agenda
liberal abraçada durante a campanha e, em grau menor, no governo.
Em março, nomes da elite econômica já
haviam assinado carta aberta com críticas duríssimas à gestão da pandemia e a
conduta negacionista do mandatário. Agora, ao lado de subscreventes de muitos
outros segmentos, perfilam-se contra arreganhos liberticidas.
Vê-se o apoio sólido à democracia no país,
refletido não apenas em pesquisas de opinião —75% dos brasileiros consideram
ser essa a melhor forma de governo, como apurou o Datafolha em 2020— mas em
demonstrações concretas da sociedade e do mundo político.
O mais longo período de normalidade
democrática de nossa história contribuiu para o amadurecimento das
instituições, aí incluídos os Poderes republicanos, o Ministério Público e as
Forças Armadas, ainda que nem sempre se reaja com a firmeza necessária à sanha
bolsonarista. Os avanços conquistados demandam vigilância.
Chance para grileiros
Folha de S. Paulo
Projeto cria facilidades duvidosas para a
regularização de terras amazônicas
Sem passar por comissões ou ser objeto de
audiências públicas, projeto de
lei aprovado pela Câmara dos Deputados cria mecanismos que
ameaçam facilitar a usurpação de terras por desmatadores e grileiros, a
pretexto de promover regularização fundiária e fazer justiça a pequenos
proprietários.
Não resta dúvida quanto à necessidade de
enfrentar o imenso passivo brasileiro nessa área. Cerca de 275 mil posses de
terras públicas federais carecem de títulos de propriedade na Amazônia Legal.
As maiores dificuldades, contudo, parecem decorrer antes da morosidade criada
pelo atual governo que da legislação vigente.
De 2009 a 2018, segundo dados do Incra,
foram emitidos em média nessa região 3.200 títulos definitivos de propriedade
por ano, com base na lei 11.952/2009, alterada pelo novo diploma. Já em 2019 e
2020 esse número despencou para 554 títulos no total.
Por certo menos pernicioso que a medida
provisória sobre o mesmo tema editada sem sucesso no ano passado, o projeto
aprovado nem por isso deixa de trazer detalhes preocupantes.
Embora mantenha o prazo de julho de 2008
como data-limite das ocupações passíveis de regularização, a medida abre margem
para que esse marco termine burlado.
Áreas que não atendam os critérios da lei
de 2009 poderão vir a ser colocadas à venda por meio de licitações definidas
pela Presidência da República. Na prática, isso permitirá que mesmo terras
invadidas e devastadas depois do prazo estipulado terminem legalizadas.
As benesses ruralistas não param por aí. O
tamanho máximo das posses regularizáveis por autodeclaração, ou seja, sem
vistoria prévia, saltou de 4 para 6 módulos fiscais. Em certas partes do país,
isso pode chegar a 660 hectares (6,6 quilômetros quadrados).
Graças a uma alteração de última hora no
texto, uma propriedade necessita apenas estar inscrita no Cadastro Ambiental
Rural para que possa ser regularizada. A redação anterior excluía aquelas que
se sobrepunham a áreas da União ou que tivessem pendências com os governos
estaduais.
O projeto segue agora para o Senado, onde deverá ser apensado a outro de mesmo teor que tramita na Casa, cujas regras conseguem ser mais lenientes com tomadores de patrimônio público. São justificados, pois, os temores de que, em vez de aprimorado, o texto termine com uma lista maior de senões.
PEC dos Precatórios abre caminho para
calote inaceitável
O Globo
Não tem o menor cabimento a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que
pretende criar folga de caixa para o governo no Orçamento de 2022 adiando o
pagamento de dívidas judiciais já decididas em última instância. Há motivos
jurídicos e econômicos para impedir que esse absurdo prospere.
A Constituição determina expressamente que
o governo inclua o valor dessas dívidas no Orçamento e garanta o pagamento no
ano seguinte, por meio do mecanismo conhecido como “precatório”. O parcelamento
é, portanto, inconstitucional. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal
(STF) quando se debruçou sobre o tema em 2013.
Para atender à demanda de estados e
municípios em situação fiscal crítica, porém, o Supremo decidiu em 2015 manter
até 2021 o regime de parcelamento antes em vigor. Em 2017, o Congresso aprovou
uma emenda constitucional aumentando esse prazo para 2024. Neste ano, uma nova
emenda permitiu o parcelamento até 2029 para os entes federativos que
estivessem com pagamentos em dia em 2015. No final de 2020, os precatórios
devidos por estados e municípios brasileiros somavam R$ 151,5 bilhões, dinheiro
suficiente para quase cinco anos de Bolsa Família.
Sem ter de onde tirar dinheiro para
Bolsonaro criar seu programa social eleitoreiro, o ministro Paulo Guedes quer
agora uma emenda que permita também à União parcelar o pagamento dos
precatórios. Os detalhes ainda não estão claros — fala-se em parcelar em até
nove anos precatórios acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões) —, mas
juristas já dão como certo que, caso aprovada, a nova emenda acabará no
Supremo.
O regime especial de pagamento de
precatórios para os entes da Federação foi, segundo a tributarista Tathiane
Piscitelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, uma necessidade para
que pudessem pôr as contas em dia. O caso da União é distinto. Não há estoque
de precatórios em aberto, e a Constituição já tem uma regra flexível para
valores elevados: se houver precatório superior a 15% da soma total, o valor
que ultrapassar esse patamar pode ser parcelado nos anos subsequentes. Além
disso, a União dispõe, ao contrário de estados e municípios, de capacidade
sólida para emitir sua própria dívida.
É justamente esse o motivo econômico para
derrubar a proposta. Por permitir maquiar o endividamento, ela se torna, nas
palavras do jurista Fernando Facury Scaff, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP), “uma quebra de contrato baseada numa
contabilidade criativa”. Se for adiante, causará ainda mais insegurança
jurídica àqueles que entraram na Justiça para receber valores devidos pela
União, ganharam em todas as instâncias — algo que pode levar décadas — e correm
o risco de morrer antes de ver a dívida quitada.
O exemplo de estados e municípios com suas indústrias de precatórios deveria servir de alerta. O discurso do “devo, não nego, pago quando puder”, proclamado por Guedes, não pode ser política de Estado. A União deve fugir da pecha de caloteira. Se o governo não recuar, será responsabilidade do Congresso Nacional barrar mais esse absurdo.
COI acerta ao punir Belarus por forçar
atleta a deixar Olimpíada
O Globo
Agiu corretamente o Comitê Olímpico Internacional (COI) ao cassar as
credenciais e expulsar da Vila Olímpica de Tóquio os técnicos de atletismo
Artur Shumak e Yuri Moisevich, do Comitê Olímpico da Belarus. A decisão ocorreu
após uma investigação sobre a participação deles no episódio em que a velocista
Krystsina Tsimanouskaya foi forçada a abandonar a competição e a voltar para
casa depois de criticar o comitê e seus técnicos por uma mudança de planos.
O atrito entre a atleta e o comitê
bielorrusso começou quando ela soube que, em vez de disputar a prova dos 200
metros para a qual se preparara, teria de competir no revezamento 4 x 100.
Krystsina expressou seu descontentamento numa rede social. Foi o suficiente
para que o comitê, presidido por Viktor Lukashenko, filho do ditador Alexander
Lukashenko, determinasse que ela deixasse a Vila Olímpica e voltasse
imediatamente a seu país. Oficialmente, o comitê informou que a atleta
precisava sair “por decisão dos médicos, devido a seu estado emocional e
psicológico”.
Mais uma vez, Krystsina não aceitou. Disse
que sua vida corria risco e pediu asilo à Polônia. Na quarta-feira, ela
desembarcou em Varsóvia com um visto humanitário. Krystsina já estava na mira
das autoridades da Belarus por suas posições políticas. Assinara um manifesto
pedindo novas eleições e libertação de presos políticos e tem sido uma crítica
contumaz da violência do governo contra opositores.
O autoritarismo demonstrado pelo Comitê
Olímpico da Belarus é um traço indelével no regime de Lukashenko. Ditador há
mais tempo no poder em plena Europa, preside a Belarus desde 1994. Em maio,
deixou o mundo perplexo ao determinar que um caça interceptasse um avião comercial
da Ryanair para prender o jornalista Roman Protasevich, crítico do governo, que
estava a bordo. Protasevich foi detido assim que a aeronave — que ia de Atenas,
na Grécia, para Vilna, na Lituânia — pousou na capital, Minsk. O episódio
violou convenções internacionais e foi duramente criticado por autoridades
europeias.
Alexander Lukashenko e seu filho Viktor já
tinham sido proibidos pelo COI de participar de competições olímpicas por
perseguir atletas não alinhados com o governo. Mas o estilo Lukashenko continuou
mostrando musculatura na Olimpíada. O ditador foi claro ao pressionar os
atletas por medalhas: “Se voltarem sem nada, é melhor não voltarem”. Pelo
visto, alguns poderão ter problemas na volta. Até a tarde de ontem, a Belarus
era o 43º país no quadro de medalhas, com um ouro, duas pratas e dois bronzes.
O COI disse que a decisão de cassar as
credenciais dos dois técnicos foi tomada “no interesse do bem-estar” dos
atletas da Belarus que ainda estão no Japão. Fez bem. Não poderia mesmo deixar
que a truculência do regime de Lukashenko fizesse escala nos Jogos de Tóquio.
Nada mais distante do espírito olímpico do que dizer que quem não ganhar
medalha não precisa voltar.
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