Presidente do TSE ressalva, porém, que começa a ficar preocupado com a quantidade de vezes que é questionado sobre chance de Bolsonaro romper com a democracia
Carolina Linhares / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO
- Ministros
do STF (Supremo Tribunal Federal) afirmaram que, apesar
das ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), não
há risco de ruptura democrática no país e que as instituições estão respondendo
a contento.
Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Luís
Roberto Barroso participaram, nesta sexta-feira (6), de evento organizado por
Comunitas, RenovaBR e Insper para discutir a proposta do semipresidencialismo.
Barroso, no entanto, fez uma ressalva que
arrancou risadas da plateia: "A quantidade de vezes que me perguntam se há
risco de golpe está me deixando preocupado", disse o ministro do Supremo e
presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
"Tenho a postura pública firme de
negar a probabilidade de golpe e de afirmar que as instituições estão
funcionando. O Congresso está funcionando e o STF está funcionando ",
disse ele.
"Não acho que as
Forças Armadas embarcariam nesse tipo de aventura. [...] A quebra da
legalidade seria desmoralizante para o Brasil, para as Forças Armadas",
emendou.
Barroso, que
voltou a ser atacado por Bolsonaro nesta sexta, afirmou: "Não paro
para bater boca e não me distraio com miudezas, meu universo vai além do
cercadinho". "Essa obsessão por mim não se justifica e não é
correspondida."
O presidente do TSE rechaçou o voto
impresso e comentou brevemente a
decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de enviar a PEC (proposta
de emenda à Constituição) sobre o tema para o plenário da Casa.
Barroso disse que cabe ao Legislativo
deliberar sobre o tema. "Está no lugar certo, no Congresso", afirmou.
Os três ministros foram questionados sobre
o risco real de ruptura na democracia, já que Bolsonaro, defensor do voto
impresso, falou
nesta semana em agir fora dos limites da Constituição.
"Tendo a pensar que a democracia está solidificada. Temos tido esses arroubos
ao longo desses períodos, mas as respostas institucionais têm prevalecido.
[...] O Congresso Nacional têm dado respostas adequadas e também o Judiciário.
As Forças Armadas compreendem seu papel institucional", disse Gilmar
Mendes.
"Apesar das tensões e desses novos
ventos, temos vivido uma prática democrática, às vezes até um tanto
turbulenta", completou ele.
Moraes ressaltou que três pilares da
democracia estão de pé: a imprensa livre, o Judiciário independente e a
realização de eleições. "Não acho que bravatas levem a golpe", disse.
Barroso exaltou o
papel da sociedade civil na defesa da democracia e "contra o
reinado do ódio, da mentira e da desinformação". Sua opinião é a de que
"não há clima" para golpe, pois "toda a sociedade brasileira
está ao lado da democracia".
O ministro ressaltou ainda a união dos ministros do STF quando o tema é a
defesa da democracia. "Não há nenhum perigo de não estarmos do lado certo
nessa disputa", disse.
A respeito do voto
impresso, Barroso afirmou que se dedica a desmentir falas de Bolsonaro
contra o sistema eleitoral por ser seu dever institucional. "Se a minha
atuação causa tanto incômodo, é porque estou conseguindo cumprir meu
papel."
Já Moraes afirmou que a defesa da impressão
de comprovante de voto não tem racionalidade.
O clima
entre Bolsonaro, STF e TSE esquentou após o presidente insistir nos
ataques às urnas eletrônicas e na insinuação de que há um complô para fraudar
as eleições de 2022 a fim de evitar sua vitória no pleito.
A corte
eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as
acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE frauda as eleições.
Depois, Barroso assinou uma queixa-crime
contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para
enviá-la ao STF.
Na última quarta-feira (4), o
corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o
compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos
antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro. No mesmo
dia, Moraes
aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu Bolsonaro como investigado no
inquérito das fake news.
Moraes afirmou que as medidas foram uma
resposta às falas de Bolsonaro que, para além dos xingamentos pessoais aos ministros
do STF, têm gravidade institucional.
Questionado a respeito do encontro
desta sexta entre o presidente do STF, Luiz Fux, e o procurador-geral da
República, Augusto Aras, Gilmar Mendes apenas comentou que, ao fim das
investigações sobre Bolsonaro, caberá à Prpcuradoria-Geral da República
oferecer eventual denúncia. "Não cabe ao Judiciário fazer ele próprio a
acusação."
Instado a comentar o papel do Congresso na resposta às
ameaças de Bolsonaro e a
possibilidade de impeachment, Barroso afirmou que "o universo da
especulação política" não pertence aos juízes.
"O Legislativo cumpre bem seu papel. Sobre impeachment não nos cabe
opinar. É preciso que haja elementos consistentes e não sou eu que julgo",
disse.
Falando de maneira teórica sobre democracia
e sem mencionar explicitamente o Brasil e Bolsonaro, Barroso afirmou que muitos
países vivem a "mentirocracia".
Questionado por jornalistas se o Brasil se
encaixa nessa conjuntura, respondeu que não falou de países em específico,
"embora o Brasil esteja no mundo" —ressalva que novamente arrancou
risos dos ouvintes.
"É a difusão da inverdade e das narrativas falsas como método de governo.
Criam-se milícias de fanáticos e de mercenários que vivem de disseminar ódio,
desinformação e teorias conspiratórias com o propósito de quebra das
instituições e de instalar regimes autoritários", disse Barroso. "É o
que se tem visto mundo afora."
Além de crise na
economia e da pandemia, alguns países vivem crise moral, declarou Barroso.
"Quando a mentira e a falsidade integram a vida cotidiana como se fossem
coisas naturais", disse.
Barroso afirmou que, nas democracias, as cortes constitucionais têm o papel de
limitar o poder dos governantes, o que gera tensões. Nas democracias
desenvolvidas, porém, disse ele, essas
tensões são absorvidas "institucionalmente e civilizadamente".
O presidente do TSE falou ainda sobre a
crise da democracia em vários países, que ele atribui à conjunção de três
fatores: populismo, autoritarismo e extremismo. "É a desconstrução da
democracia por líderes políticos eleitos", afirmou Barroso —novamente
sem mencionar Bolsonaro.
Tratando de reformas institucionais
debatidas no evento —que teve a presença de acadêmicos e dos ex-presidentes
Michel Temer (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB)—, Barroso fez críticas ao
distritão, à judicialização excessiva e ao que chamou de hiperpresidencialismo.
O distritão, na opinião de Barroso,
encarece as eleições, enfraquece os partidos e dizima as minorias políticas. Já
o hiperpresidencialismo seria uma usina de crises, segundo ele, pois a
concentração de poder no presidente da República gera tentação autoritária ou faz
o chefe do Executivo refém do fisiologismo do Congresso.
Barroso fez uma defesa do semipresidencialismo,
ainda que não para a eleição de 2022 e sim mais para frente. Na avaliação do
ministro, o modelo permite a troca do governo sem abalar a estabilidade institucional,
enquanto no presidencialismo "a crise é prolongada sem alternativa
institucional para encerrá-la".
Temer e FHC também condenaram os
recentes ataques de Bolsonaro ao STF.
"Bolsonaro está se isolando e
demonstrando ímpeto autoritário, não é esse o sentimento real da maioria dos
brasileiros", afirmou FHC. O ex-presidente afirmou que a postura de
Bolsonaro é lamentável e está equivocada. "Qualquer tentativa de ser
contra a legalidade eu estarei contrário", completou.
"Vai haver eleição, há
forte probabilidade, independentemente de gostarem ou não. E vai haver mais de
um candidato", disse ainda o tucano.
Já Temer lembrou que a Constituição Federal
determina a harmonia entre os Poderes e, portanto, afirmou que os ataques de
Bolsonaro ao STF e ao Legislativo são inconstitucionais.
Os dois também defenderam
a construção de uma terceira via para a eleição de 2022. FHC disse não
estar satisfeito nem com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e nem com Bolsonaro.
Sem citar nomes, afirmou que o
país precisa de um presidente mais jovem do que ambos.
"Estarei disposto a ajudar na
construção de um caminho que evite a dicotomia", disse o ex-presidente.
Para Temer, "o eleitor tem direito de
ter uma terceira opção" e a terceira via é "uma necessidade".
Fernando Henrique disse não
ter uma visão pessimista sobre o que vai acontecer com o país. Segundo o
ex-presidente, falando implicitamente sobre Bolsonaro, "vivemos no tempo
de respeito às regras" e "é difícil desrespeitar as regras".
"A nossa democracia dá para o
gasto", declarou a respeito da necessidade de mudanças institucionais.
"As reformas fundamentais já aconteceram", completou.
O tucano falou sobre o exercício da
Presidência e disse que "fez escolinha para ser presidente". Ele
afirmou que o chefe do Executivo deve ouvir a todos, levar em consideração
opiniões diferentes e exercer liderança. Inclusive, reforçou o
ex-presidente, é
preciso dialogar com as Forças Armadas sem medo.
Um presidente, afirmou FHC, "tem que
entender que não é o dono da bola e que sua palavra pesa".
Ao contrário de acadêmicos e de FHC e em
consonância com Gilmar Mendes e Barroso, Temer defendeu
a necessidade de uma reforma institucional para instalação do
semipresidencialismo, modelo em que o presidente é o chefe de Estado, mas o
governo é levado a cabo pelo primeiro-ministro, como ocorre em Portugal.
Moraes, ao falar sobre
sempipresidencialismo, afirmou que é preciso discutir o modelo a ser adotado,
já que alguns desenhos institucionais podem concentrar ainda mais o poder no
presidente.
Temer afirmou que a mudança poderia valer a
partir de 2026 para evitar questionamentos jurídicos, mas afirmou ser
favorável à adoção do modelo o quanto antes.
"Essa legislatura poderia discutir o
tema. Quando o Congresso quer, ele vota. Se o semipresidencialismo fosse aplicado
em 2022 eu acharia ótimo, quanto antes aplicar melhor."
Temer argumentou que o
presidencialismo é fonte de instabilidade e "está roto e esfarrapado".
Como exemplo de instabilidade, o emedebista citou os pedidos de impeachment —e
a realização de dois impeachments no período democrático recente, fazendo a
ponderação de que um deles o levou ao poder.
"Reconheço que impedimento gera uma
instabilidade interna extraordinária", disse.
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