O Globo
Durante toda a semana, só se discutiu o
voto impresso, em grande medida de maneira equivocada. A proposta foi
apresentada com muita frequência como a volta do voto em cédula ou como a possibilidade
do voto de cabresto, e isso foi dito por articulistas dos grandes veículos e
por políticos sérios.
O voto impresso não é o voto em cédula e
também não é um comprovante em papel de em quem você votou: é a impressão do
voto eletrônico, depositado automaticamente e sem contato manual numa urna
inviolável para que possa ser eventualmente cotejado com os votos da urna
eletrônica.
Como cada cidadão ou cidadã vê seu voto
lançado na urna, ele ou ela é o fiscal desse depósito. Depois, ao final da
votação, como forma complementar de conferência, pode-se contar o número de
votos da urna física com o número de votos do boletim da urna eletrônica.
Podem-se cotejar também os votos em candidatos no banco de dados da urna com os
votos impressos.
A impressão permite uma camada adicional de
segurança e verificação extraeletrônica, e é por esse motivo que muitos
especialistas em segurança defendem a medida, e alguns países a utilizam.
O problema da PEC do voto impresso é que, sob o disfarce de melhorar a segurança das eleições, quer na verdade gerar desconfiança nas eleições. A medida faz parte do projeto de Bolsonaro de criar tumulto eleitoral, alegar fraude e dar um golpe de Estado.
Em primeiro lugar, a proposta quer a
implementação imediata, sem projeto-piloto e implementação gradual. Se
Bolsonaro realmente quisesse um sistema de votação mais seguro, ele teria
aprovado a medida em 2018 e feito um projeto-piloto nas eleições de 2020 para
implementação gradual a partir de 2022. Querer fazer agora, de supetão, apenas
gerará problemas generalizados causados por uma implementação apressada.
Em segundo lugar, a proposta quer que a
conferência dos votos seja integral, e não por meio de uma amostra aleatória.
Como recomenda a estatística, uma amostra pequena sorteada adequadamente
representa o universo. Se a conferência demonstrar nessa pequena amostra que
não houve fraude, pode-se ter confiança em que não houve fraude relevante no
conjunto.
Por fim, a proposta quer que essa
conferência seja caótica, acontecendo em todos os lugares do Brasil, com
militantes fazendo agitação e causando alvoroço. Também quer substituir a
supervisão da Justiça Eleitoral pela supervisão da Polícia Federal, que
Bolsonaro pode controlar, porque está subordinada ao Ministério da Justiça.
Precisamos apontar esses problemas reais, e
não distorcer os argumentos. Quando fazemos caricaturas, os cidadãos que apoiam
Bolsonaro ficam apenas irritados com a deslealdade e reafirmam sua convicção,
não apenas na questão da urna, mas no projeto autoritário bolsonarista.
É preciso lembrar que temos duas missões
políticas diferentes. Precisamos proscrever Bolsonaro, mas não devemos
proscrever os bolsonaristas. Os cidadãos bolsonaristas precisam ser resgatados
para o jogo regular da democracia. Eles são um terço da população brasileira, e
não existe democracia ou república sem eles.
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