Blog do Noblat / Metrópoles
A terceira maior pobreza é que as
lideranças democráticas se submetem a apelar aos generais para saber se eles
respeitarão as eleições
A maior pobreza da democracia brasileira é
não ter adotado uma estratégia para abolir a pobreza da população: não movemos
a linha da pobreza nem aterramos o abismo da desigualdade. A segunda é a
incerteza: se os portadores de armas aceitarão os resultados das urnas. A
terceira maior pobreza é que as lideranças democráticas se submetem a apelar
aos generais para saber se eles respeitarão as eleições. Foi o que vimos na
semana passada, quando ex-presidentes, ex-ministros e líderes políticos
procuraram militares para saber se os generais apoiariam golpe para impedir a
derrota eleitoral do atual presidente.
Esta consulta demonstra a pobreza da democracia brasileira e das lideranças democráticas. Em uma democracia consolidada não haveria este temor aos militares. Eles estariam fora da política. Como estão em todos os outros países do continente, com exceção da Venezuela e do Brasil. Ao perceberem a fragilidade da democracia, os políticos deveriam unir as forças democráticas para enfrentar o risco de golpe. É a unidade nas urnas que dá força para vencer as armas. No lugar disto, nossos líderes se dividem, se antagonizam e, depois de ouvirem as manifestações legalistas dos generais, voltam tranquilos da conversa e continuam se digladiando entre si, confiantes de que o regime democrático sobreviverá, graças à boa vontade dos militares.
Esquecem que o maior incentivo ao golpe é a
divisão dos líderes civis ao empurrarem os militares, provocados diante do vazio
e da instabilidade que ameaça o País. As lideranças também esquecem o pouco
significado da opinião dos comandantes, porque o desrespeito às urnas raramente
parte de generais comandantes. Em muitos golpes, os primeiros presos são os
generais, por determinação de coronéis, motivados pela divisão, incompetência
ou corrupção de civis. Às vezes, o golpe vem de polícias ou milicias armadas ou
do povo na rua. Não é raro também os golpes virem de um líder político contra
os outros.
Quando perguntados se haveria golpe, os
generais deveriam ter devolvido a pergunta aos políticos: “vocês acham que há
clima para golpe? De onde viria?” Se não fossem enfáticos, ainda poderiam
perguntar: “onde vocês erraram e estão errando para esta hipótese ser considerada.
A única forma de as urnas vencerem as armas
está na unidade dos políticos democráticos. Para isto, devem entender que não é
por gosto ou vocação que militares dão golpe e desmancham a democracia. Fazem
isto empurrados quando a democracia demonstra esgotamento, quase sempre por
incompetência e divisionismo entre políticos civis. Não precisam perguntar aos
militares se eles querem intervir. Eles responderão corretamente que não querem
e nunca quiseram, nem mesmo em 1964.
Foi a divisão entre políticos, o clima de
instabilidade, a polarização da guerra fria e um general afoito que
deslancharam o golpe. Para evitar golpe, os democratas devem evitar o
acirramento da disputa no primeiro turno, cujas disputas e acusações deixam
pouca margem para a unidade no segundo. Devem escolher um nome com mais chance
de ser eleito e este assumir que seu governo promoverá união de todos para
defender o poder das urnas. Mas isto parece impossível, e o outro lado, um
presidente isolado, despreparado, com claros sinais de demência, pode provocar
a instabilidade que levará a um golpe que os militares não querem fazer, mas os
políticos divididos poderão provocar e serem as vítimas depois. Não será a
primeira vez na história.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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